Até 2012, os únicos vertebrados (grupo em que se incluem aves, mamíferos, répteis, anfíbios e alguns peixes) em que a regeneração dos membros havia sido observada eram as salamandras, um tipo de anfíbio. Ou seja, esses animais eram os únicos membros desse subfilo sabidamente capazes de formar novas patas mesmo quando estas eram totalmente arrancadas, independentemente do nível da amputação. Com o passar dos anos, cientistas descobriram que algumas espécies de peixe possuíam a mesma capacidade. O que não se conhecia até agora, no entanto, era a procedência dessa característica nos outros animais.
Um novo estudo, fruto da parceria entre brasileiros, americanos e europeus, investigou as origens dessa habilidade nos vertebrados. A pesquisa foi publicada na última edição do periódico científico Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America. Os cientistas são da Universidade Federal do Pará, do Instituto Tecnológico Vale, do Museu Paraense Emílio Goeldi, da Michigan State University (EUA), da James Madison University (EUA) e do Museu de História Natural de Berlim (Alemanha).
Até então, a teoria predominante era de que a aptidão a regenerações seria recente na escala evolutiva e envolveria, entre os vertebrados, apenas alguns anfíbios e peixes — o que explicaria o fato de nós, mamíferos, não a possuirmos. Para isso, os animais capazes desse feito deveriam ter genes novos, os quais viabilizariam esse processo regenerativo e não estariam presentes nos demais vertebrados.
A questão que os cientistas procuraram investigar era se essa habilidade teria de fato se desenvolvido recentemente em salamandras ou se seria uma característica ancestral herdada dos antigos peixes, que originaram os vertebrados terrestres.
“Para responder a essa pergunta, primeiro buscamos identificar quais grupos de peixes possuem capacidade de regenerar nadadeiras peitorais, que são equivalentes aos braços ou patas dianteiras dos animais com quatro membros. Realizando amputações de nadadeiras em peixes que ocupam posições-chave na árvore evolutiva dos vertebrados, mostramos que a regeneração é comum e amplamente difundida entre peixes”, contou ao site de VEJA Igor Schneider, biólogo da Universidade Federal do Pará e coautor do estudo.
Em seguida, por meio do sequenciamento dos genes ativos no material genético desses peixes, foi demonstrado que o programa genético utilizado por salamandras para regenerar suas patas é muito semelhante àquele que peixes usam durante a regeneração de suas nadadeiras. Ou seja, se a habilidade é observada de forma similar em seres de diferentes classes, é provável que ambos a tenham herdado de seu ancestral em comum, o primeiro a apresentar essa característica. Foi o avanço que os cientistas procuravam.
Assim, os resultados da pesquisa apontaram para uma resposta diferente daquela que a comunidade científica adotara. Segundo a nova hipótese, a habilidade de regeneração não seria novidade na evolução animal. “Nossos resultados indicam que, na verdade, a capacidade de reconstruir membros é muito antiga e surgiu com a origem dos peixes. Esses genes são velhos e provavelmente estão presentes também no nosso genoma”, explica Schneider. Dessa forma, aves, répteis, anfíbios e também os mamíferos teriam herdado a aptidão a reconstruir membros perdidos do ancestral que compartilham, o primeiro vertebrado de todos.
Uma dúvida pode surgir com essa nova teoria: se é esse o caso, por que o homem, assim como outros mamíferos, não é capaz de produzir novamente braços e pernas amputados? A resposta é simples: os genes necessários para o processo de regeneração só estão ativos em alguns peixes e anfíbios. É como se nós não conseguíssemos acessar essa informação genética, mesmo com ela presente no DNA.
O grupo de cientistas tem como meta a longo prazo trabalhar para, quem sabe, fazer com que nós adquiramos essa capacidade. “Pretendemos, no futuro, descobrir qual é a bateria de genes necessária para iniciar a regeneração destas estruturas e, então, possivelmente induzir a regeneração em mamíferos, que não possuem essa incrível capacidade”, pondera Schneider. Apesar dos recentes avanços, a necessidade de mais (muito mais) estudos é clara, de acordo com o biólogo.