Acontecerá em junho o repatriamento do fóssil do Ubirajara jubatus, primeiro dinossauro não-aviário com estruturas semelhantes a penas encontrado na América do Sul. Descoberto na Bacia do Araripe, vasto manancial paleontológico que se estende por Pernambuco, Piauí e boa parte do Ceará, foi retirado irregularmente do Brasil em 1995. O exemplar estava depositado no Museu de História Natural de Karlsruhe, na Alemanha. A negociação envolveu os governos dos dois países e durou cerca de dois anos.
Além do Instituto Guimarães Rosa, órgão do Ministério das Relações Exteriores voltado para a diplomacia cultural e educacional, participou das negociações para a repatriação do Ubirajara o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). A Embaixada da Alemanha em Brasília foi responsável pela intermediação entre os órgãos brasileiros e os envolvidos do lado alemão: o estado de Baden-Wurttemberg e o museu que está em posse do exemplar fossilizado.
Em dezembro de 2020, um grupo de cientistas europeus e do México publicou um artigo na revista Cretaceous Research sobre o fóssil. Além de descrever o animal pré-histórico, eles batizaram-no como Ubirajara jubatus. O nome em tupi significa “senhor da lança”, numa referência às estruturas que se projetam de seu pescoço. Primeiro de sua espécie encontrado por estas bandas, teria vivido há cerca de 120 milhões de anos, no período conhecido como Cretáceo Inferior.
Sem a participação de paleontólogos brasileiros e sem referências claras à procedência do fóssil, a pesquisa teve sua idoneidade contestada e deu inicio a uma campanha internacional. Logo a hashtag #UbirajaraBelongsToBR (Ubirajara pertence ao Brasil) se espalhou pelas redes sociais. A retratação do artigo só foi feita quase um ano depois, em setembro de 2021. Ainda assim, repercutiu de forma positiva na decisão de outras instituições ao redor do mundo, que se adiantaram em devolver exemplares oriundos do Brasil, mas sem documentação confiável.
Quando definiu que devolveria o fóssil, o estado alemão de Baden-Württemberg, assumiu uma posição clara sobre as questões de proveniência dos bens culturais que abriga em suas instituições e museus. “Por isso, temos buscado consistentemente o esclarecimento dos eventos que o cercam”, disse por meio de nota Theresia Bauer, titular do Ministério da Ciência, Pesquisa e Artes do estado alemão. “É importante que, com essa devolução, enviemos um sinal claro sobre o correto manuseio dos itens de coleção, sua procedência e honestidade científica.”
“A proposta de cooperação para viabilizar a repatriação do fóssil foi feita através de carta do embaixador da Alemanha ao então ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações do Brasil [Paulo César Alvim]”, esclareceu em nota o ministério brasileiro de Ciência, Tecnologia e Inovação. “Na ocasião, o MCTI indicou o Museu Nacional para receber o fóssil. No entanto, novas tratativas serão feitas em breve dada a reestruturação do Ministério.”
Após o anúncio do repatriamento do fóssil do Ubirajara jubatus, a direção do Museu Nacional emitiu nota pública dizendo que ainda não houve contato por parte de autoridades alemãs para tratar da entrega do exemplar. E acrescentou que não tem interesse em receber os restos fossilizados do animal. “É importante registrar que sempre mantivemos conversas abertas com a direção do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens, e com os profissionais de paleontologia da Universidade Regional do Cariri, no Ceará, sobre a destinação de tão relevante exemplar”, diz o texto.
Há cerca de um ano, o paleontólogo Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional, classificou o caso do Ubirajara e a retratação do estudo como “vergonhosos”. E defendeu que, em primeiro lugar, se repatriasse o fóssil. “Onde vai ser depositado no país é uma decisão que cabe à comunidade científica brasileira”, disse a VEJA, na época.
Alamo Saraiva, curador do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens e coordenador do Laboratório de Paleontologia da Universidade Regional do Cariri, onde Ubirajara foi encontrado, disse estar cético. “De qualquer forma, é uma questão de justiça”, disse ele, que tem mantido conversas com Kellner, do Museu Nacional. “Mas só acredito quando ele estiver aqui. Primeiro, é preciso que venha para o Brasil. Depois, veremos.