Quando a ciência ainda não conseguia desvendar o motivo para o sol desaparecer das vistas, no meio do dia, dando lugar à escuridão, as lendas se encarregaram de explicar o que parecia inexplicável. Derivado da palavra grega ekleipsis, que significa abandono, o eclipse costumava ser relacionado a prenúncios de calamidades e desastres. Na Antiga Mesopotâmia, por exemplo, era aviso da morte iminente de monarcas e da vinda do deus da tormenta. Causava pânico na população. Hoje, no entanto, assistir à Lua deslizar entre a Terra e o Sol, bloqueando a passagem da luz, virou atração turística alimentada de fascínio irrefreável pelo fenômeno.
Em 8 de abril, um eclipse total poderá ser visto em quinze estados americanos, três mexicanos e quatro províncias canadenses, em uma faixa de 13 000 quilômetros de comprimento e 185 quilômetros de extensão. É ocorrência rara pelo tamanho de visibilidade. “Vai levar 72 anos para a América do Norte assistir a evento igual a esse”, diz Joaquim Costa, chefe da divisão de clima espacial do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A Nasa prevê público de 40 milhões de pessoas olhando para cima, ressabiadas. Trata-se, portanto, de espetáculo que vai atrair viajantes de olhares curiosos.
O setor hoteleiro, especialmente o americano e o mexicano, prepararam uma série de pacotes especiais para a data. Há shows musicais, estadias que incluem palestras e visitas à Nasa, a agência espacial que pôs o ser humano na Lua, além de voos especiais de observação. A Delta Airlines lançou rotas para quem deseja assistir ao evento cósmico de camarote, sentado em uma poltrona confortável com vista quase exclusiva — com direito a um bom espumante. O primeiro roteiro anunciado pela companhia, programado para sair de Dallas, no Texas, e aterrissar em Detroit, no Michigan, esgotou em 24 horas. Foi preciso alocar uma segunda aeronave, um Airbus A220-300, com janelas grandes, que decolará de Austin, no Texas, a caminho de Detroit. As passagens custam, em média, 1 000 dólares.
A oportunidade movimenta o mercado, inclusive no Brasil. A agência de turismo do astronauta Marcos Pontes, ex-ministro bolsonarista, oferece um pacote de cinco dias. O grupo conhecerá a sede da Nasa, em Houston, local onde os astronautas fazem a capacitação profissional. Também está programada uma visita à SpaceX, empresa aeroespacial de Elon Musk. Lá poderão entrar na Starship, espaçonave que, nos sonhos de Musk, pode vir a pousar em Marte, com passageiros, dentro de três a quatro anos. “Escolhemos Austin como base para a hospedagem porque será um dos melhores lugares para assistir ao eclipse”, diz Marcos Palhares, sócio e diretor comercial de Marcos Pontes. O preço estimado da brincadeira: 6 990 dólares (pacote individual). O Texas está no roteiro quente de diversão, por ter excelentes pontos de observação. Por isso, concentra boa demanda de atrações turísticas para a data. Entre elas, o Eclipse Festival, que acontece em uma fazenda, em Burnet. São cinco dias de shows, que se alternam com apresentações científicas. No local, também estão programados eventos de ioga e experiências de “visões do futuro”, que fazem lembrar Woodstock. Nos EUA, há mais dois eventos desse tipo programados: o ShadowFest, em Bloomington, Indiana, e o 2024 Total Eclipse, em Jessieville, em Arkansas, com estrutura de camping e atividades de aventura, como tirolesa.
O assombro no firmamento costuma alimentar as crenças no sobrenatural e funciona ainda como fonte de inspirações românticas. “Pedi minha noiva em casamento, de joelhos, durante um eclipse”, diz o programador Wellington Magalhães, de 35 anos. Ele armou uma surpresa, com a ajuda da agência especializada que levou o casal para assistir ao balé espacial nas dunas de Genipabu, em Natal, no ano passado. Durante o eclipse, houve apenas um problema: o céu nublou um pouco. Eis aí um nó: os turistas devem estar preparados para as surpresas do clima. É conveniente que ninguém observe o fenômeno sem óculos especiais. E para quem não vai viajar, uma dica: a Nasa fará cobertura em tempo real, em seu site, entre 16 e 17 horas de Brasília. Vale lembrar uma frase do popularizador da astronomia Carl Sagan (1934-1996): “Quando você faz uma descoberta — mesmo se você for a última pessoa na Terra a ver a luz — você jamais vai se esquecer.”
Publicado em VEJA de 15 de março de 2024, edição nº 2884