Um dos principais responsáveis pelos avanços do agronegócio no Brasil tem sido, sem a menor sombra de dúvida, a tecnologia tropical sustentável aqui desenvolvida e aplicada extensivamente pelos produtores rurais. Ela é a causadora do aumento de produtividade agrícola, reduzindo a demanda por mais terras e, dessa forma, preservando áreas cobertas por vegetação nativa de qualquer natureza. Basta um número para exemplificar: da safra de 1976 até hoje, a produção de grãos cresceu 397%, enquanto a área plantada, segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, aumentou apenas 45%. Isso reduziu a demanda por áreas novas. Atualmente, temos 62 milhões de hectares cultivados com grãos. Se tivéssemos hoje a mesma produtividade da época do Plano Collor (março de 1990), seriam necessários mais 91 milhões de hectares para colher a safra deste ano, isto é, precisaríamos ter desmatado essa gigantesca área.
As novas tecnologias para a chamada “agricultura 4.0” vêm chegando aos borbotões: empresas públicas ou privadas investem continuamente em inovação na área de insumos menos agressivos ao meio ambiente, em equipamentos que consomem menos combustível e com sofisticados instrumentos ligados a satélites; agritechs e startups produzem novidades em gestão e informações que permitem decisões rápidas e precisas sobre o que e como fazer.
E aqui reside uma preocupação: são tantas e tão disruptivas as novas tecnologias que elas podem se transformar num fator de concentração de renda e riqueza no campo. Só grandes produtores com equipes interdisciplinares capacitadas conseguirão acessar o universo da internet das coisas (IoT) e da digitalização e transformar as informações ali geradas em elementos de gestão e de avanços técnicos.
É o que já está acontecendo na mecanização: nas principais feiras agropecuárias, que se multiplicam pelo país todo, estão expostas máquinas poderosas que colhem mais de 30 hectares de grãos por dia, drones que sobrevoam áreas enormes identificando os locais onde pulverizar qual produto, e assim por diante. A lamentável falta de conectividade que existe no país inibe a ampla digitalização no campo, e os grandes fabricantes de máquinas já estão vendendo pacotes com torres de transmissão de dados. Tanta novidade vai reduzir os custos de produção, aumentar a produtividade e melhorar a renda. Mas como fica aquele produtor que tem 20 hectares e não pode acessar tudo isso?
Há muitos novos fatores determinantes da competitividade no campo, começando com a própria sustentabilidade, claro. Mas hoje os temas centrais são tecnologia da informação (base para a digitalização), biotecnologia, nanotecnologia e gente preparada. A tecnologia da informação envolve componentes de software e hardware que facilitam a comunicação e os processos no âmbito da virtualidade. Dispositivos embarcados em máquinas ou fixos nos escritórios permitem a automação dos processos, otimizando resultados. A gestão se baseia em dados produzidos pelas tecnologias digitais e interpretados corretamente.
Sensores, nuvem, comunicação entre máquinas, técnicas de análise são as novas realidades. Nanossensores espalhados pelos diferentes talhões de uma grande propriedade vão informar em tempo real a temperatura e a umidade do ar e do solo, a direção e a velocidade do vento, assim mitigando uma das maiores incertezas do trabalho rural, a variação climática. As informações colhidas serão associadas às informações dos drones — controlados remotamente do chão — sobre debilidade de plantas ou ataque de pragas e doenças em áreas específicas, de modo que o combate a esses inimigos será cirurgicamente efetivado, com importante redução de custos e diminuição do uso de água e de defensivos.
O GPS acoplado a máquinas autônomas atua junto a sensores, acelerômetros e válvulas eletro-hidráulicas, funcionando com piloto automático, ampliando a janela de plantio e permitindo o trabalho nas 24 horas do dia, com espetacular aumento de rendimento, tudo supervisionado por técnicos a partir do escritório.
Também existem sensores de altura que ajudam a avaliar a topografia do terreno, melhorando muito as barras de pulverização sem perdas e sem a intervenção humana no trato com defensivos. A moderna biotecnologia explica melhor a fisiologia vegetal, o desenvolvimento das plantas e como as pragas e moléstias — tão intensas num país tropical — se propagam e são combatidas. E gera variedades mais resistentes às pragas e aos riscos de seca, mais ricas em nutrientes e mais rentáveis. Tudo isso tem efeito direto sobre a produtividade agrícola, com um monitoramento perfeito das operações no campo, reduzindo desperdícios e sobreposição de serviços: a máquina desliga automaticamente se passar de novo por uma área já trabalhada. E o outro efeito evidente é a redução drástica de custos.
“É preciso investir em conectividade para que as novas tecnologias sejam acessíveis a todos”
Ora, fica claro que os grandes produtores levarão uma vantagem abissal em relação aos pequenos: sua produção aumenta, a oferta cresce e os preços caem, regra elementar da economia rural. As margens por unidade produzida se estreitam e a escala passa a ser essencial para a formação da renda. E de novo os pequenos perdem competitividade.
Como solucionar esse problema? Tecnologia é fator de concentração em todos os setores econômicos, inclusive indústria e serviços. Mas no campo é muito mais grave, porque o excluído vai para a cidade, demandando mais serviços essenciais e pressionando o poder público. O tecido social do campo não pode prescindir dos pequenos e médios produtores: eles são fundamentais.
Pelo menos duas ações são necessárias, uma pelo setor público e a outra pelo privado. Na área pública, é preciso investir vigorosamente na conectividade, para que as novas tecnologias sejam acessadas por todos. Se o celular não funciona direito entre São Paulo e Campinas, como os pequenos produtores na fronteira agrícola receberão informações técnicas ou econômicas em tempo real ou, ainda mais, como as máquinas “conversarão entre si”? Os grandes produtores terão torres para garantir a conexão. Cabe ao Estado criar mecanismos (parcerias público-privadas para a instalação de redes, antenas etc.). Caso contrário, haverá uma clara diferença de acesso às inovações entre pequenos e grandes produtores, com evidentes desvantagens para os primeiros. Na atual conjuntura de aperto fiscal, o crédito para o pequeno e o médio não pode prescindir de subsídios, porque interessa à sociedade mantê-los na atividade, com chance de progresso.
Na área privada, está reservado um papel central às cooperativas agropecuárias e de crédito rural. Elas podem fazer, no conjunto dos cooperados, o papel de um grande produtor, seja com equipes treinadas para interpretar e difundir as novas tecnologias, seja construindo torres de retransmissão de dados que todos os associados possam acessar.
E, por fim, urge construir no Brasil um seguro rural digno do nosso evoluído Agro. Sem essas três condições, nossos produtores rurais em breve serão divididos em duas categorias: os dinossauros condenados ao desaparecimento, e os robotizados, inseridos competitivamente nos mercados globais.
* Roberto Rodrigues é coordenador do Centro de Agronegócio da FGV. Foi ministro da Agricultura no governo Lula
Publicado em VEJA de 22 de maio de 2019, edição nº 2635
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