Emoldurado por montanhas singulares, vastas áreas de Mata Atlântica e quilômetros à beira-mar, o Rio de Janeiro sempre foi pródigo em belezas naturais. Neste inverno, outro espetáculo grandioso — em todos os sentidos: as protagonistas pesam 40 toneladas e medem 15 metros cada — encanta moradores e turistas e ganha espaço na lista de atrações da cidade. Trata-se do balé das baleias jubartes, que retornam ao litoral carioca em número incomum após décadas de avistamentos raríssimos. O fenômeno coincide com o aumento progressivo da população de jubartes e o período de migração da Antártica para Abrolhos, no sul da Bahia, onde esses mamíferos gigantes buscam águas quentes e tranquilas para se reproduzir. No trajeto de 5 000 quilômetros, a costa do Rio , entre junho e meados de agosto, se transforma em um importante corredor de passagem onde o chamado turismo de observação se reanima com vigor nesta temporada, depois do sucesso de alguns passeios experimentais no ano passado.
Uma experiência desse tipo era impensável até alguns anos atrás, quando as baleias, incluindo as jubartes — são dezessete espécies no total —, corriam risco iminente de extinção. Os ataques contra elas eram tão devastadores que, em 1975, o Greenpeace lançou um grito de urgência pelo planeta, o Save the Whales. A campanha, uma das primeiras iniciativas ambientais bem-sucedidas, culminou na proibição de sua caça, em 1986. Na mesma época foi criado no Brasil o Projeto Baleia Jubarte, visando a seu monitoramento e preservação — calculava-se então em 1 000 o número desses cetáceos enormes que passavam pela costa brasileira a cada temporada. A espécie saiu da lista de animais ameaçados em 2014 e hoje a população total é estimada em 100 000, dos quais 35 000 migram nessa direção a cada ano. “Com a recuperação gradativa, as jubartes vêm reocupando antigas áreas, como o Rio. Grupos competitivos e fêmeas com filhotes são avistados na costa carioca, o que pode indicar que a região voltará a ser um local de reprodução”, comemora Enrico Marcovaldi, um dos fundadores do Projeto Jubarte.
Ganham com isso tanto a natureza quanto o público. As jubartes são conhecidas como baleias acrobatas, devido a seu variado repertório de movimentos. Além dos típicos esguichos, elas abanam a cauda, param com a cabeça para fora da água, exibem nadadeiras e dão imponentes saltos. “Fiz o passeio depois que vi todo mundo postando nas redes. É emocionante”, atesta a escritora Thalita Rebouças. “Já tinha visto as baleias na Antártica, mas aqui é especial. Tem o visual do Rio”, completa o humorista Hélio de la Peña, que comemorou seus 65 anos em uma dessas excursões — duram, em média, seis horas — e foi presenteado com o balé de oito jubartes. Nem sempre é assim: dias depois, repetiu a dose com amigos e não avistou uma sequer. “A probabilidade de isso acontecer é pequena. Mas, como em um safári, dependemos da natureza”, observa Dany Golberg, do Veleiro Sagarana, uma das empresas que oferecem a novidade.
O turismo de observação enche os olhos, mas requer paciência e sorte. O fotógrafo Humberto Baddine, 32 anos, não pode reclamar: acredita que fez a foto de sua vida nesta temporada inaugural no Rio. Ao final de seu terceiro passeio, clicou a sincronia perfeita entre uma baleia em pleno salto e o Pão de Açúcar ao fundo. “Elas se movimentam rápido e podem surgir de qualquer lado. Tive a felicidade de estar no ângulo certo”, relata. O preço dos passeios pela rota das jubartes vai de 380 a 500 reais, saindo de vários pontos da cidade. A BR Marinas, que administra a Marina da Glória, junto com o Projeto Jubarte vem capacitando profissionais, que, por lei, têm de manter seus barcos a uma distância mínima de 100 metros do animal. “Hoje existe uma consciência maior de que uma baleia viva é mais lucrativa do que morta”, observa o fotógrafo Marco Terranova, colaborador do projeto.
No passado, os mares do Rio, assim como boa parte do litoral do país, foram palco da matança cruel de baleias, cujo óleo foi usado na iluminação de cidades até o século XX. Embora países como Japão, Noruega e Islândia ainda cacem os gigantescos mamíferos aquáticos, já se sabe que esses animais ainda têm papel na redução dos gases que provocam o efeito estufa no planeta. Cada baleia armazena, ao longo da vida, 33 toneladas de carbono, enquanto uma árvore é capaz de reter 21 quilos por ano. Especialistas afirmam que o lucrativo turismo de observação — 2 bilhões de dólares por ano no mundo — ajuda na sua preservação. No Brasil, os passeios para ver baleias ocorrem, além das águas cariocas, em Arraial do Cabo, mais ao norte do estado, e em trechos de São Paulo, Espírito Santo, Bahia e Rio Grande do Norte. Jubartes, sejam muito bem-vindas.
Publicado em VEJA de 26 de julho de 2024, edição nº 2903