Não seria o caso de dizer que está escrito nas estrelas, mas a bióloga Natalia Pasternak e o jornalista Carlos Orsi parecem ter sido feitos um para o outro. Eles dividem o mesmo teto e compartilham uma paixão — ou seria uma obsessão? — pela defesa da ciência e pela desconstrução de ideias e métodos que, deliberadamente ou não, ignoram as bases da física e da química e as leis da natureza.
À frente do Instituto Questão de Ciência (IQC), cuja missão é ajudar a estabelecer políticas públicas amparadas em estudos, o casal se notabilizou, sobretudo durante a pandemia, por combater o negacionismo contra a vacina e outros absurdos. Tal vocação está materializada em Que Bobagem!, livro que demole superstições e soluções populares carentes de evidências.
Os autores abordam doze tópicos, que podem ser divididos em dois grupos: aqueles que se ancoram em uma visão alternativa da realidade factual e os que reivindicam ares científicos, mas refutam pressupostos essenciais do método vigente, as chamadas pseudociências. E assim percorre-se uma jornada que vai da astrologia ao poder quântico da mente, passando por discos voadores e, claro, tratamentos que rivalizam com a medicina tradicional.
Muitas dessas crenças e práticas têm origens milenares, e continuam tendo adeptos ao beber de algo que parece ser quase indissociável do cérebro humano, o pensamento mágico. A preocupação por trás do esforço de Pasternak e Orsi é que, mais do que alimentar princípios e comportamentos inócuos, as pseudociências interferem em decisões relevantes na vida das pessoas, a ponto de fazê-las negligenciar medidas reconhecidamente eficazes para a saúde.
Sob essa lente, milhões de cidadãos seguem consumindo horóscopos e se orientando por mapas astrais que se penduram em ideias sobre os astros refutadas há séculos pela ciência.
Cresce, também, um mercado de cura energética e quântica amparado na deturpação de conceitos da física contemporânea, como a noção de que o sucesso e a salvação de uma doença dependem de força de vontade.
Entre um ponto e outro desse roteiro, ganham destaque os capítulos sobre terapias alternativas, pacote que inclui, de modo ruidoso, homeopatia, acupuntura e reiki, por exemplo. Os autores explicam que, não bastasse contrariar a plausibilidade biológica — como um remédio homeopático diluído até não conter resquícios do princípio ativo teria algum efeito? —, tais práticas não estão respaldadas por estudos robustos e revisões da literatura.
Em linguagem clara, a cientista e o jornalista desfilam provas contrárias à existência de eventos paranormais, óvnis e deuses astronautas — a teoria de que alienígenas teriam povoado a Terra há milhares de anos e construído pirâmides e afins. E golpeiam fenômenos bem distintos, mas que, em comum, buscam se revestir de um ou outro verniz científico para vender promessas de saúde e imortalidade, caso das dietas da moda.
O livro, sublinhe-se, não foi concebido para agradar a gregos e troianos. O capítulo destinado à psicanálise, que contraria ensinamentos de Freud e seus discípulos à luz da neurociência, despertará reações mercuriais. Não há como negar, porém, que algumas discussões precisam ser pautadas, inclusive porque práticas como constelação familiar e antroposofia, oferecidas pelo SUS, vão na contramão da psicologia e da medicina baseadas em evidência, e teriam, em sua origem, pressupostos machistas e racistas, como pontuam os autores.
Que Bobagem! não ataca a liberdade de crença e expressão. Oferece ao leitor elementos para que, de maneira racional, seja possível ter uma visão mais crítica sobre algumas concepções de mundo propagadas por aí, afeitas a repercussões ruins para o bolso e o bem-estar.
E mais: a obra é um libelo contra políticas públicas, sobretudo na área da saúde, não respaldadas pela ciência — uma realidade dentro do sistema brasileiro. Até porque muitos dos defensores das contracorrentes alternativas são os mesmos que condenam vacinação e outras práticas atestadas por anos de pesquisa. Nesse sentido, o livro pode, como querem os autores, nos imunizar de ideias perigosas.
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2023, edição nº 2852