Em agosto de 2023, um artigo científico anunciou uma descoberta que surpreendeu biólogos e paleontólogos ao redor do mundo: um antepassado das baleias que viveu há 39 milhões de anos atrás teria sido o maior animal que viveu na Terra, com até 340 toneladas. O trabalho levantou suspeitas e, agora, um novo estudo aponta que o grandão não era, na verdade, tão colossal.
Chamado de Perucetus colossus, nome em latim para “baleia colossal do Peru”, o animal pertencia à família dos Basilosauridae, os primeiros cetáceos (grupo de mamíferos que também inclui os golfinhos) completamente aquáticos de que se tem notícia. O artigo que o descreve foi publicado na Nature, mas um trabalho agora divulgado no periódico PeerJ contesta o tamanho.
“Teria sido difícil para a baleia permanecer na superfície, ou mesmo sair do fundo do mar”, disse Ryosuke Motani, paleobiólogo da UC Davis e autor do artigo, em comunicado. “Seria necessário nadar continuamente contra a gravidade para fazer qualquer coisa na água.”
Para ser justo é necessário dizer que os autores que descobriram o fóssil não foram tão categóricos na estimativa. De acordo com eles, o P. colossus poderia pesar algo entre 85 e 340 toneladas. O novo trabalho, no entanto, reduz bastante esse valor, sugerindo uma massa entre 60 e 110 toneladas, apenas.
Clima tenso
“O artigo não demonstrou nenhum erro factual em nossas análises e nas estimativas resultantes”, disse a VEJA Eli Amson, autor do artigo da Nature. De fato, o trabalho mais recente sugere um equívoco, mas não um erro. O que acontece é que as duas investigações utilizam métodos diferentes para fazer as suas estimativas – ambas tentam calcular o peso com base na densidade dos ossos, mas enquanto a primeira usa um cálculo mais tradicional, a segunda procura exceções à regra, com base em animais mais contemporâneos.
Essas discordâncias, contudo, fazem parte do processo científico. “Nós paleontólogos somos obrigados a trabalhar com evidências muito escassas. Portanto, não me surpreende termos interpretações tão diferentes”, disse a VEJA o diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner. “O que nós temos que entender é que esse não é um trabalho simples e, portanto, essas discordâncias fazem parte da evolução do conhecimento.”
Que a revisão constante dos dados faz parte da ciência é incontestável, mas isso não funcionou como alento para os autores do trabalho original. “Os pesquisadores usaram declarações enganosas ao longo do artigo”, diz Amson. “Achamos surpreendente que uma revista séria como a PeerJ tenha permitido que tal análise fosse publicada. Distorcer as palavras dos colegas é prejudicial para a ciência.”
Conclusão
No final das contas, algum deles está mais correto? Para os paleontólogos consultados pela reportagem, essa é uma conclusão que só vai poder ser feita quando mais fósseis da espécie forem encontrados. Então, por enquanto, nos resta esperar.
Dito isso, até para os pesquisadores é mais fácil acreditar na versão nova e mais conservadora. “Eu tenho uma tendência a acreditar que uma redução, como o segundo trabalho sugere, me parece ser mais interessante”, diz Kellner. O paleontólogo do Museu Plácido Cidade Nuvens, da Universidade Regional do Cariri, Álamo Saraiva, também tem a mesma interpretação. “Eu concordo plenamente com o segundo artigo, um animal de 20 metros poder pesar mais de 250 toneladas é uma possibilidade remotíssima.”
Independentemente dos pontos de vista, todos concordam que a descoberta continua sendo tão importante quanto era antes da contestação. Isso acontece porque o achado mudou completamente o conhecimento sobre a evolução dos cetáceos. Até aquele momento, acreditava-se que o aparecimento dos primeiros gigantes dessa família era uma um evento recente, de cerca de 5 milhões de anos atrás, mas a investigação mostra que animais com os tamanhos das baleias atuais são bem mais antigos e surgiram há pelo menos 30 milhões de anos.
“A importância do trabalho é tão grande que essa extrapolação não tira o seu mérito”, diz Saraiva. “O segundo artigo é um comentário pertinente, mas não invalida o valor biológico e paleontológico da espécie encontrada.”
Não à toa, Kellner deixa claro desde já o apelo por ter um representante do grandão em solo brasileiro. “O museu nacional que está em sua fase de reconstrução adoraria ter uma replica de pelo menos uma das vertebras desse animal em exibição por aqui.”