Parte do trabalho dos astrônomos é acompanhar o comportamento das milhões de galáxias do universo observável. Muitas delas são consideravelmente entediantes – distantes, estáveis e com pouco brilho – vez ou outra, contudo, revelam surpresas. Foi o que aconteceu em dezembro de 2019, quando a observação de um desses corpos permitiu que pesquisadores testemunhassem o despertar de um buraco negro em tempo real.
A observação chamou atenção dos cientistas do Observatório Europeu do Sul. “Imagine que você observa uma galáxia distante há anos e ela sempre pareceu calma e inativa”, diz Paula Sánchez Sáez, autora principal do estudo publicado nesta terça-feira, 18, no periódico científico Astronomy & Astrophysics. “De repente, seu núcleo começa a mostrar mudanças dramáticas no brilho, diferentemente de qualquer evento típico que vimos antes.”
Como saber que é mesmo um buraco negro?
Para confirmar o que estavam vendo, os astrônomos foram conferir os dados do Telescópio Muito Grande (VLT, na sigla em inglês), que fica no deserto do Atacama, no Chile. Os dados revelaram que o crescimento do brilho na constelação de virgem foi, não apenas na luz visível, mas também no ultravioleta e no infravermelho. Mais recentemente, em fevereiro, o corpo também passou a emitir raios-x.
A duração do brilho foi a chave para revelar o que eles estavam observando. Um brilho repentino vindo das galáxias não é uma novidade tão grande e, geralmente, significa que houve uma explosão do tipo supernova ou a passagem de um buraco negro capaz de desorganizar a galáxia. Esses eventos, no entanto, não duram mais que alguns meses – a galáxia observada dessa vez continua brilhando por mais de quatro anos. “Esse comportamento não tem precedentes”, diz Sáez.
A explicação mais plausível para os pesquisadores foi o despertar do buraco negro central. Toda galáxia tem em seu núcleo um desses corpos supermassivos, mas na maioria dos casos eles estão inativos, em equilíbrio com o resto da galáxia. Observações retrospectivas já haviam registrado esse despertar, mas essa é a primeira vez em que esse evento é testemunhado em tempo real.
Como a observação contribui para a ciência?
Observações adicionais serão necessárias para confirmar que essa é mesmo a explicação, eliminando possibilidades alternativas. Para os astrônomos, no entanto, essa é uma oportunidade de entender mais sobre esse processo. “Independentemente da natureza das variações, [esta galáxia] fornece informações valiosas sobre como os buracos negros crescem e evoluem”, diz Sáez. O coautor Hernández García ainda alerta: “Isto é algo que também poderá acontecer com a Sagittarius A*, o enorme buraco negro localizado no centro da nossa galáxia.”