Considerado o maior animal que já habitou o planeta, a baleia-azul pode atingir até 30 metros de comprimento e pesar cerca de 200 toneladas. Só o coração desse mamífero fascinante alcança 700 quilos, um pouco menos do que o antigo carro Fusca. Espécie listada como ameaçada de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza, sua população foi reduzida em 97% na virada do século XIX para o século XX, devido em grande parte a anos de impiedosa e descontrolada caça comercial. Embora fossem encontradas em todos os oceanos, exceto no Ártico, elas sumiram de circulação, por mais de quatro décadas, de um de seus hábitats mais celebrados: a costa atlântica espanhola da Galiza, no noroeste da Espanha. Recentemente, contudo, voltaram a ser avistadas na região. O reaparecimento foi festejado com euforia, embora há quem veja no comportamento migratório um sinal de preocupação.
O primeiro avistamento recente aconteceu em setembro de 2017, quando a tripulação do Paio Gómez Chariño, barco da guarda-costeira galega, encontrou uma baleia no estuário Muros y Noia. Na época, houve uma hesitação sobre se era uma puro-sangue. Quando o instituto Pesquisa e Conservação de Mamíferos Marinhos na Galiza (Cemma, na sigla em galego) confirmou que se tratava de uma autêntica azul, a descoberta foi encarada como um “feito histórico”. Nos anos seguintes, houve novas ocorrências. Até que, no dia 10 de agosto, outra organização, o Instituto de Pesquisa Golfinho Nariz-de-Garrafa (BDRI, na sigla em inglês), comemorou em suas redes sociais a volta dos gigantes ameaçados à região: “Sem dúvida, é um sinal da relevância da conservação da enorme biodiversidade marinha presente nestas águas”.
É uma vitória que levou muitos anos para acontecer. De janeiro a outubro de 2020, o BDRI fez um levantamento nas águas do noroeste espanhol, do Cabo Finisterra até as Ilhas Cíes. No período, foram registrados quase 500 avistamentos de oito espécies de cetáceos, entre as quais estavam as baleias-azuis. No total, os pesquisadores avistaram trinta espécimes, um indício de que elas voltaram a incluir a costa galega em suas migrações. “Acredito que a moratória da caça às baleias foi um fator-chave”, declarou Bruno Díaz, biólogo marinho do instituto de pesquisa ao jornal britânico The Guardian. “Na década de 70, pouco antes de a proibição ser introduzida, uma geração inteira de baleias-azuis desapareceu. Agora, mais de quarenta anos depois, estamos vendo o retorno dos descendentes das poucas que sobreviveram.”
O otimismo, no entanto, não é compartilhado por todos os especialistas. Alfredo López, biólogo marinho do Cemma, vê esse movimento com ceticismo. Para ele, a presença das baleias na costa galega pode ser um sinal de que o aquecimento global está reduzindo o hábitat das azuis e empurrando-as cada vez mais para o norte. “Os avistamentos significam que o alimento delas, uma dieta formada em grande parte por krill, está desaparecendo. Então, o que estamos vendo é dramático, e não algo para comemorar”, declarou ele, em entrevista a um jornal local.
A história da pesca à baleia remonta a pelo menos quatro milênios. Entre os primeiros caçadores estão os noruegueses e os japoneses, que manejavam arpões e aproveitavam tudo dos animais, desde a carne até os órgãos internos, passando pelas barbatanas. No início do século XX, a indústria baleeira se sofisticou, movida principalmente pela busca do óleo extraído da gordura. Entre 1904 e meados da década de 60, estima-se que cerca de 360 000 baleias-azuis foram abatidas. Em 1966, com uma população reduzida a cerca de 1 000 indivíduos, a Comissão Baleeira Internacional proibiu a caça à espécie — vinte anos depois, a proibição seria ampliada. Desde então, a comunidade de azuis vem aumentando e, hoje, entidades de proteção ambiental como a World Wild Fund avaliam que há entre 10 000 e 25 000 espécimes em circulação.
As baleias-azuis não são vistas com muita frequência na costa brasileira. Por aqui, são mais comuns as jubartes, que podem ser observadas sobretudo nas águas da Bahia e do Espírito Santo, e as ameaçadas francas, avistadas na costa de Santa Catarina. Em 2018, o Brasil sediou o encontro da Comissão Baleeira Internacional e foi autor da proposta que reafirmou o banimento da caça às baleias. Um passo relevante para a manutenção da fauna e o equilíbrio de que o planeta tanto precisa.
Publicado em VEJA de 27 de outubro de 2021, edição nº 2761