Como uma das primeiras mulheres no espaço, sentiu algum preconceito? Na verdade, fui bem recebida na Nasa, assim como minhas cinco colegas que inauguraram o time feminino. Mas só o fato de até o fim dos anos 1970 não haver sequer concurso para mulheres por lá é um sinal do quão atrasadas estávamos. Na década de 80, não se viam representantes do sexo feminino em cargos de poder nem treinamento para pilotas. Acho que ajudei a abrir caminho. Hoje são dezenas delas nas salas de comando que chegaram longe por puro profissionalismo.
A senhora foi também a primeira mãe a deixar a Terra em um foguete. Sofreu? Foi a decisão mais difícil que já tomei. Recebi o convite para integrar a missão da nave Discovery duas semanas antes do parto, e três dias após o nascimento da minha filha já estava em reunião para programar a jornada. O treino foi extremamente cansativo com um bebê em casa. Mas olho para trás e tenho imenso orgulho de ter ido tão longe na carreira e na maternidade.
Ao partir, chegou a considerar o cenário de nunca mais ver sua filha? Senti muito medo e, antes de embarcar, fiz vídeos e fotos ao lado dela. Se algo acontecesse, ela teria bastante material para se lembrar de mim. Apesar dos temores, nunca hesitei em aceitar a missão. Sempre quis ser exemplo para outras astronautas.
A Nasa tornou-se mais inclusiva para as mulheres? Sim. Primeiro, implementou um processo ativo de recrutamento em universidades, ao mesmo tempo que passou a indicar com frequência mulheres para postos de alta hierarquia. Há um comprometimento constante com o incentivo à especialização feminina, para que nunca faltem funcionárias qualificadas. O modelo funciona e pode ser replicado em outros países e indústrias.
Gostaria de voltar ao espaço? Adoraria viajar novamente e aproveitar a experiência sem a responsabilidade de trabalhar dezesseis horas por dia, para poder admirar a vista deslumbrante que se tem lá com toda a tranquilidade.
Qual a sua expectativa para o retorno do homem à Lua e a exploração em Marte? Vamos chegar lá em breve, mas lamento que essas conquistas estejam demorando tanto. A aventura espacial é um empreendimento técnico complexo, que depende de financiamento e vontade política.
Como vê o início da era dos voos comerciais para o espaço? Quando ouvi falar pela primeira vez sobre os planos de Elon Musk, achei que ele estava louco, mas nunca o subestimei. A verdade é que sonho um dia embarcar em um desses voos comerciais. Para mim, eles têm dois papéis vitais: descortinar janelas para o progresso científico e dar às pessoas a chance de olhar a Terra sob uma perspectiva incomparável. Todo mundo deveria ter uma oportunidade dessas uma vez na vida.
* Anna Fischer foi uma das convidadas da Semana de Inovação 2021, evento organizado pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap), o Tribunal de Contas da União (TCU), a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) e o Ministério da Economia
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2021, edição nº 2765