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Além de usarem ferramentas, macacos são capazes de desenvolvê-las

Estudo conduzido por cientistas brasileiros e britânicos comprova a nova e importante semelhança entre os seres humanos e os símios

Por Filipe Vilicic, Sabrina Brito Atualizado em 4 jun 2024, 15h39 - Publicado em 5 jul 2019, 06h30
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  • “Temos de redefinir o que são ‘ferramentas’, e redefinir o ‘homem’, ou aceitar chimpanzés como humanos”, disse o paleontólogo queniano Louis Leakey (1903-1972), um dos nomes mais célebres de sua área, após saber de uma fascinante descoberta da colega Jane Goodall, hoje com 85 anos, em 1960. Ela havia observado chimpanzés torcendo galhos para usá-los para fisgar cupins em seus ninhos. Até aquele momento, acreditava-se que humanos seriam os únicos capazes de utilizar ferramentas. Desde então, muito do que se tinha como certo sobre a diferença entre o Homo sapiens e outros animais, especialmente os primatas, foi desmentido. Gorilas, bonobos e outros macacos possuem formas simplificadas de linguagem, capacidade empática, emoções e até mesmo organizações hierárquicas nos territórios em que habitam. “Se olharmos profundamente nos olhos de um chimpanzé, uma personalidade autoconsciente e inteligente nos olhará de volta. Se eles são animais, o que somos nós?”, resumiu, de forma algo poética, o primatólogo e escritor holandês Frans de Waal, no livro Chimpanzee Politics (A Política dos Chimpanzés), publicado em 1982.

    Pois há agora um novo verso, por assim dizer, no imaginário poema que tematiza nossa proximidade de alguns dos demais primatas. Dois cientistas da Universidade de São Paulo, em parceria com três colegas britânicos, acabam de divulgar a comprovação de que existe uma nova e importante semelhança entre os seres humanos e os símios. Depois de um cuidadoso e demorado estudo, os pesquisadores descobriram que aqueles animais não só sabem utilizar ferramentas como também são capazes de desenvolvê-las com o passar do tempo.

    A conclusão é resultado de observações iniciadas em 2004 no Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí, a maior e a mais antiga concentração de sítios pré-históricos da América do Sul. Foi lá que os cientistas encontraram 122 amostras de rochas, datadas de 3 000 anos, que guardavam uma surpresa: a análise das pedras revelou que elas tinham sido moldadas pelas mãos de macacos-prego para abrir sementes e nozes, cavar o solo, processar frutas e até mesmo servir como peças de exibição durante preliminares sexuais. Até aí, a novidade não era tremenda; afinal, chimpanzés e bonobos africanos, além dos próprios macacos-prego que ainda hoje habitam o Piauí, fazem o mesmo. A descoberta desconcertante foi outra: no decorrer dos últimos três milênios, as ferramentas evoluíram de acordo com as necessidades da espécie. Quinhentos anos atrás, por exemplo, os macacos só recorriam a pequenas pedras como ferramentas auxiliares na hora de se alimentar. Mais recentemente, há três séculos, passaram a preferir rochas maiores — ideais, por exemplo, para abrir castanhas de casca dura.

    “É o primeiro caso, fora da linhagem humana, de adaptação de uma ferramenta de acordo com seu uso”, afirma o biólogo paulistano Tiago Falótico, um dos autores do estudo — o outro brasileiro é o biólogo e psicólogo também paulistano Eduardo Ottoni. “A criação de ferramentas de pedra é um elemento de extrema importância na evolução humana. Temos de compreender como essa habilidade foi desenvolvida em outras espécies.”

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    Essa formidável aptidão dos macacos-prego para elaborar uma tecnologia vem se juntar a outras características humanas, demasiado humanas, de outros primatas — como a que fica evidente, por exemplo, quando se assiste a um vídeo que viralizou em 2016 (mais de 10 milhões de visualizações no YouTube). Nele, o primatólogo holandês Jan Van Hooff reencontra a fêmea de chimpanzé Mama no zoológico de Arnhem. Eles não se viam fazia alguns anos, apesar de se conhecerem desde 1972. Nenhuma pessoa estranha conseguiria se aproximar de Mama, que estava doente e poderia responder com agressividade. No entanto, ao avistar Van Hooff, ela o abraçou e acariciou, emocionada, como fariam dois amigos nas mesmas circunstâncias. Duas pessoas.

     

    Publicado em VEJA de 10 de julho de 2019, edição nº 2642

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