Não foi um dia qualquer. Em 26 de abril, 300 astrônomos foram convocados a participar de uma videoconferência para ratificar uma alarmante informação recebida sete dias antes do observatório da Universidade do Havaí. Um asteroide, de composição e tamanho incertos, estaria vindo em direção à Terra, com previsão de chegada em seis meses. Quatro dias depois, os cientistas não só confirmaram os dados como fixaram dia, hora e local do impacto: a fronteira entre Alemanha, Áustria e República Checa, às 14h02m25s (horário de Brasília) de 20 de outubro de 2021. Com 105 metros de extensão e uma velocidade de 54 700 quilômetros por hora, o objeto atingiria a Europa Central com a potência de vinte ogivas nucleares, matando milhões de pessoas caso não fossem evacuadas a tempo.
Felizmente, nada do que foi narrado até aqui é real. O que se passou entre 26 e 30 de abril foi um exercício realizado na 7ª Conferência de Defesa Planetária, em Viena, com a participação de agências espaciais do mundo todo. Porém, o que parece ser uma cena de ficção científica é, na verdade, um cenário factível, levado a sério pela ONU, que, em 2016, instituiu 30 de junho como o “Dia do Asteroide”, em referência ao impacto que devastou a região de Tunguska, na Sibéria, em 1908. No decorrer de todo o mês, o site asteroidday.org fará transmissões diárias com especialistas para discutir o risco de um corpo celeste atingir o planeta, conscientizando o público de que milhares de objetos vagam pelo espaço sem monitoramento.
Em 2013, por exemplo, um meteorito explodiu sobre Chelyabinsk, na Rússia, ferindo pessoas com os estilhaços de janelas — danos que seriam infinitamente maiores se o objeto não tivesse apenas 20 metros de comprimento. Em julho de 2019, um asteroide do tamanho de um campo de futebol passou a 65 000 quilômetros da Terra, o que, em termos astronômicos, equivale a um carro a 65 centímetros do pedestre. Se mudasse de rota, poderia destruir uma cidade do tamanho de São Paulo.
Diante disso, a Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) trabalha com parceiros internacionais para melhorar a detecção de corpos celestes. Em abril, foi inaugurado no Chile um observatório dedicado a essa atividade, que vem se juntar a um similar na Espanha. O grande avanço, no entanto, está no projeto batizado de FlyEye (Olho de Mosca), telescópio autônomo de várias lentes, como a visão multifacetada de um inseto. O primeiro FlyEye entrará em operação na Sicília, Itália, até dezembro de 2023, revelou a VEJA Barbara Weimer, chefe de comunicação da ESA.
Enquanto o monitoramento avança, a Nasa centra fogo na segunda parte da equação: o que fazer depois que o asteroide for detectado? Cientistas divergem quanto à estratégia, mas a agência aposta em uma sonda capaz de reduzir a velocidade da rocha, mudando assim sua direção. Na prática, os americanos pretendem lançar ao espaço a sonda Dart (acrônimo em inglês para Teste de Redirecionamento de Asteroide Duplo), que tem como objetivo atingir uma lua-asteroide de 160 metros, denominada Dimorphos, que no momento não representa perigo e orbita um asteroide cinco vezes maior chamado Didymos.
A Dart pesa 600 quilos (menos do que um carro popular), mas, se reduzir em uma fração a velocidade orbital do Dimorphos, será um indício de que objetos maiores podem ser freados por sondas mais robustas. A missão está programada para partir entre seis e nove meses, alcançando seu alvo em setembro de 2022, quando o sistema de dois asteroides estará a 11 milhões de quilômetros da Terra. A colisão será monitorada por telescópio e pelo LiciaCube, satélite italiano que viajará com a Dart até seu destino. O asteroide maior será o ponto de referência de que os astrônomos precisam para comprovar a perda de inércia da lua-asteroide.
Mas vale mesmo a pena investir tanto em projetos dessa natureza, tendo em vista que o perigo de extinção planetária é irrisório? A indagação foi dirigida a Thomas Zurbuchen, diretor de ciência da Nasa, que respondeu com a objetividade que seu cargo demanda: “Vai acontecer, só não sabemos quando”. Para marcar seu ponto, Zurbuchen nem precisou exemplificar como o novo coronavírus pegou a humanidade desprevenida. Cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
Publicado em VEJA de 02 de junho de 2021, edição nº 2740