Uma nova geração de naves espaciais poderá responder em breve a uma pergunta que nos últimos anos tem excitado cientistas de diversas partes do mundo: existe — ou ao menos existiu algum dia — vida extraterrestre? Para que o enigma seja enfim decifrado, será preciso desbravar o lugar mais habitável do sistema solar, à exceção óbvia da Terra. Esse local é Marte, o planeta que sempre alimentou as fantasias de escritores de ficção científica, cineastas de mente fértil e autores engenhosos de histórias em quadrinhos. Os marcianos estão na mira da ciência. Há dois anos, descobriu-se a presença de água líquida subterrânea no Planeta Vermelho, a mais clara evidência que o deserto gelado e árido já foi, há bilhões de anos, um território quente e úmido e que, portanto, pode ter oferecido as condições ideais para a existência biológica. A novidade animou os entusiastas do sonho da colonização interplanetária. Agora, a exploração de Marte parece tão urgente quanto inevitável, e é por isso que missões de vários países partiram ou estão em vias de lançar seus foguetes rumo ao espaço sideral.
O momento para a viagem não poderia ser mais apropriado. A cada 26 meses, a órbita da Terra e a de Marte se alinham e permitem que a jornada dure menos de sete meses. A distância de cerca de 55 milhões de quilômetros intimida (equivale a quase 1 400 vezes a circunferência terrestre), mas, com o avanço das tecnologias, até mesmo nações sem tradição na exploração interplanetária se sentiram encorajadas a partir rumo ao desconhecido. Em 20 de julho, decolou do Japão a primeira espaçonave de uma série que tem o cobiçado planeta como destino. Trata-se da sonda Al-Amal, que marcou a estreia do programa espacial dos Emirados Árabes Unidos. A missão não tocará o solo, apenas permanecerá em órbita, em busca de dados sobre a atmosfera local. Novatos no ramo, os árabes miram longe. Seu plano é estabelecer uma colônia humana em Marte até 2117.
Poucos projetos são tão ambiciosos quanto o mantido pelo governo da China. Em 23 de julho, o país anunciou a subida de um foguete da missão Tianwen-1 (“Perguntas Celestiais”), que ascendeu da ilha chinesa de Hainan. A potência asiática enviou um robô para estudar a bacia de Utopia Planitia, a mesma onde o Viking 2, da Nasa, aterrissou em 1976, na primeira missão bem-sucedida em solo vermelho. O governo de Pequim não revela maiores detalhes sobre a empreitada, mas deixa claro o objetivo de exibir poderio tecnológico e econômico. Outra viagem a Marte, a ExoMars, da Agência Espacial Europeia em parceria com a Rússia, tinha lançamento previsto para este mês, mas problemas técnicos decorrentes da pandemia da Covid-19 adiaram os planos.
Maiores conquistadores do espaço, os americanos também são protagonistas da corrida marciana. Em janela programada entre 30 de julho e 15 de agosto, partirá de Cabo Canaveral, na Califórnia, o Perseverance, o mais sofisticado rover, como são chamados os veículos robóticos. Um engenheiro brasileiro participou dos últimos projetos da Nasa e explica as diferenças entre eles. “A Missão Mars 2020 é histórica pois, pela primeira vez desde a década de 70, vamos em busca de sinais de vida”, diz o mineiro Ivair Gontijo, que trabalha na agência espacial desde 2006. “Sabemos que não vamos encontrar seres macroscópicos, mas vamos procurar sinais de vida bacteriana, moléculas de carbono e material orgânico abaixo da superfície”, conta Gontijo, autor do livro A Caminho de Marte, vencedor do Prêmio Jabuti de 2019. Ao custo de 2,4 bilhões de dólares, a missão da Nasa prevê outros feitos: será a primeira a captar sons do Planeta Vermelho e pioneira em tentar produzir oxigênio na fina atmosfera marciana, além de coletar materiais que serão embalados e deixados na superfície para que futuras missões os recolham e tragam à Terra para estudos. Tudo isso para que Marte possa receber, quem sabe um dia, habitantes humanos.
Publicado em VEJA de 5 de agosto de 2020, edição nº 2698