Na última semana a Câmara Brasileira do Livro realizou a cerimônia de premiação da primeira edição do Prêmio Jabuti Acadêmico. Entre os vencedores, na categoria de ciências biológicas, está o livro Um naturalista no Antropoceno (Editora Unesp), escrito pelo ecologista Mauro Galetti.
Biólogo de formação, ele tem uma longa trajetória acadêmica. Em 2024, ele se colocou o desafio de finalizar um livro que começou há mais de uma década, voltado, não para seu público tradicional, mas para os leigos, interessados em pesquisa.
Entre congressos, homenagens e a gestão do recém-criado Centro de Pesquisa em Biodiversidade e Mudanças do Clima (CBioClima), Galetti concedeu entrevista a VEJA para falar sobre o êxtase com a premiação, a importância de discutir o antropoceno e a impossibilidade de procurarmos uma salvação para a humanidade fora da Terra.
Como o senhor se sente estando entre os primeiros vencedores do Jabuti acadêmico? Nossa, estou muito feliz. É uma honra enorme, principalmente por saber que é um livro da ciência brasileira, com uma linguagem que chega ao grande público.
Qual era o seu objetivo com a obra? O livro tenta explicar coisas que as pessoas querem ouvir. Querem saber sobre biodiversidade, conservação da natureza, mudanças climáticas. Tentei traduzir esses conceitos para chegar a outros ouvidos. A ideia era sair um pouco da bolha.
De onde veio a inspiração para o livro? Escrevo esse livro há mais de 10 anos, na verdade. Geralmente, quando você vai numa livraria, os livros de meio ambiente são sempre escritos por estrangeiros. Sempre tive essa percepção. Se eu ia na livraria e ninguém tinha escrito o que eu queria ler, eu tinha que escrever.
Você sempre teve aptidão para a divulgação científica? Sempre que eu via coisas muito interessantes, queria contar para as pessoas. Contava para os meus filhos, para a minha esposa, para os meus alunos e eles sempre se empolgavam muito. A partir disso, senti que precisava contar para um público maior e, então, comecei a escrever.
O senhor sempre teve interesse pela natureza? Eu sempre fui uma criança que gostava de criar canários, peixes, porquinhos da Índia, mesmo tendo crescido em ambiente urbano. Tinha essa curiosidade de que toda criança tem. No fundo, acho que toda criança é um biólogo em potencial.
Há pouco tempo o grupo de cientistas que formaliza essas definições deu um passo para trás em definir um marco para o antropoceno, tema central do seu livro. Como o senhor vê essa decisão? Acho que a Comissão Estratigráfica de Londres cometeu um erro bastante grave em não elevar o antropoceno para uma época. É óbvio que as mudanças causadas pelos seres humanos estão transformando para sempre o planeta. No primeiro capítulo do livro eu faço um passo a passo mostrando cada uma dessas modificações, seja pelas mudanças climáticas, seja pelo impacto na biodiversidade, seja pela criação de novos elementos químicos.
Por que eles tomaram essa decisão? Eu acho que o passo atrás foi por eles não saberem dizer exatamente quando o antropoceno começou. Será que foi quando domesticamos o fogo, quando começamos a comer mais carne que frutos ou quando promovemos a primeira revolução industrial? Isso é uma discussão muito mais rica do que falar que o antropoceno não existe.
Eles voltarão atrás? Eu acho que a comissão não tem mais poder de decidir. O mundo já decidiu, todos os cientistas da ciências naturais e sociais já decidiram. O que a comissão poderia ter feito era dar suporte a essa discussão, mas o que farão a partir de agora é irrelevante. Perderam a oportunidade de estimular uma discussão científica saudável.
E qual a importância disso? Uma discussão interessante é falar sobre qual antropoceno nós queremos. É um antropoceno saudável, em que mudamos nossos hábitos, nossa alimentação e a maneira como trabalhamos; ou é um antropoceno caótico, baseado em aproveitar ao máximo os recursos porque o mundo vai acabar?
Quando falamos em antropoceno, existem muitos marcos negativos na natureza, mas ainda assim o senhor tem uma visão positiva. Por que? Nunca na história da humanidade tantas pessoas se preocuparam com o nosso futuro, com sustentabilidade, com a proteção da biodiversidade. E hoje, cada vez mais, temos ferramentas tecnológicas para modificar nosso impacto no planeta. O que falta são organizações políticas que se juntem para fazer as mudanças necessárias.
Por que isso não acontece? É difícil saber o que passa na cabeça dos líderes globais, porque a gente não está no dia a dia da política, mas acho que falta uma liderança global, ambiental e política. Parece que é bastante claro que nós temos que rapidamente fazer uma transição energética, por exemplo, mas não temos uma liderança que consiga conciliar as diferenças partidárias e das forças políticas.
E ainda dá tempo? As grandes reuniões, como as COPs, sempre deixam uma frustração muito grande para os cientistas, porque a gente não só aponta o que está acontecendo, mas aponta alternativas. A Amazônia, por exemplo, tem um potencial enorme de gerar um monte de emprego sustentável através da bioeconomia. Existem muitas alternativas já comprovadas pela ciência que precisam ser colocadas em prática.
Agora, a ciência também procura alternativas fora da terra. O senhor acredita que isso seja uma possibilidade válida? A Lua ou Marte não são uma opção para o ser humano. A solução é resolver os problemas na Terra, especialmente, os problemas de desigualdade e os problemas ambientais. O Antropoceno nos coloca essa responsabilidade. Toda a discussão de ocupar Lua, Marte, é mais uma decisão armamentista das grandes potências e não alternativa para o ser humano sobreviver ao longo do tempo.