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A descrição de uma artéria no braço sugere que humanos continuam evoluindo

Antropólogos australianos dizem ter encontrado indícios, com estudos que remontam ao século XIX, de que o homem moderno ainda está nesse processo

Por Sergio Figueiredo Atualizado em 4 jun 2024, 14h35 - Publicado em 6 nov 2020, 06h00
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    (ilbusca/Getty Images)

    O homem é um tipo especial de símio, define Yuval Noah Harari, doutor em história pela Universidade de Oxford e autor dos best-sellers Sapiens e Homo Deus. Um símio que, ao longo de milhões de anos, passou por mutações aleatórias, que foram repassadas aos descendentes por meio de complexos códigos genéticos. Para Charles Darwin, que revolucionou o estudo da evolução no século XIX, as mutações levaram a variações e adaptações que foram incorporadas ao longo de gerações até chegarmos ao que somos hoje. A lenta evolução, obviamente, não pôde ser monitorada. Tudo que sabemos sobre nossos antepassados está nos fósseis estudados pelos antropólogos. Entretanto, um estudo recente publicado por Teghan Lucas, pesquisadora da Universidade Flinders, na Austrália, traz evidências de que, neste momento, o homem moderno está passando por uma relevante, embora discreta, evolução.

    Comparando dados que remontam ao século XIX com necrópsias em australianos mortos em 2015 e 2016, Teghan e uma equipe de antropólogos concluíram que 33% dos antebraços examinados apresentavam uma terceira artéria que não deveria estar ali — pelo menos, não nesse nível de ocorrência. A chamada artéria mediana irriga o feto durante a gestação, mas desaparece na oitava semana, quando aparentemente não é mais necessária. Segundo registros forenses dos anos 1880, 10% da população apresentava esse fenótipo na vida adulta, enquanto exames realizados no fim do século XX indicavam incidência em quase 30% dos indivíduos.

    Hoje em dia, um em cada três adultos já tem a mesma variação, o que apontaria um crescimento de 23 pontos porcentuais em 140 anos. Quando a prevalência da artéria mediana atingir 50% da população mundial, ela deixará de ser uma variação e terá de ser considerada uma estrutura humana normal. Além disso, mantendo a progressão, todos os indivíduos nascidos no próximo século teriam a artéria mediana permanente.

    O trabalho dos pesquisadores australianos, publicado recentemente no diário científico britânico Journal of Anatomy, não está livre de contestações. Cientistas de outras instituições questionam tanto a amostragem do século XIX quanto a atual, de apenas 78 antebraços dissecados — o número seria muito pequeno para um veredicto confiável, além de haver o viés de as amostras serem exclusivas de australianos descendentes de europeus, ignorando as demais etnias.

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    Para Ariane Ramaekers, professora Ph.D. do Instituto Curie, laboratório de genética e biofísica de Paris, “não existem evidências robustas do aumento da ocorrência da terceira artéria do antebraço, mas, se houvesse, eu diria que os efeitos seriam impactantes”. Além disso, Ariane lembra que evolução não implica seleção natural. Ou seja, não existe esse tipo de ajuste para se adaptar ao meio ambiente. A natureza simplesmente não funciona assim.

    A afirmação da professora traz à tona uma questão ainda mais decisiva. Se confirmada a microevolução, que benefício ela traria? Segundo os próprios autores do estudo, prontuários médicos apontam para efeitos deletérios na vida dos indivíduos dissecados, como aneurisma, trombose e síndrome do túnel do carpo. O professor Danilo Moretti-Ferreira, livre-­docente em genética médica da Unesp, diverge desse ponto: “Como toda artéria tem por função suprir de sangue uma região posterior ao fluxo, isso melhoraria a irrigação de nossas mãos, elemento fundamental na evolução do Homo sapiens”.

    As evidências ainda serão submetidas ao rigoroso escrutínio da comunidade científica internacional, mas a equipe australiana insiste em afirmar que outras microevoluções estão em andamento. O aumento significativo de bebês nascendo sem o terceiro molar, conhecido como dente do siso, seria o melhor exemplo, mas não o único. “Realmente não faz sentido ainda termos o dente do siso, uma ferramenta de que o homem dispunha para triturar alimentos duros, ou a costela cervical, que pode ter sido útil quando nossos ancestrais andavam arqueados”, diz Cézar Augusto de Oliveira, neurocirurgião do hospital Sírio-­Libanês, em São Paulo. Para ele, “a capacidade de adaptação humana é grande, porque nosso cérebro é dotado de neuroplasticidade”. Por meio do sistema nervoso central, ele é capaz de promover no organismo certas mudanças. A humanidade, portanto, estaria em constante evolução.

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    No caso da artéria mediana permanente, os especialistas da Universidade Flinders projetam que 100% da população ainda a terá, um dia. E fica a permanente indagação: a vida segue um caminho predestinado ou é um evento completamente acidental? Os cientistas pragmáticos creem apenas no aleatório, mas uma resposta definitiva está longe de ser obtida. Eis a beleza da evolução.

    Publicado em VEJA de 11 de novembro de 2020, edição nº 2712

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