Esc é aquela tecla no canto superior esquerdo do teclado que apertamos desesperadamente quando o laptop trava. Confrontados com o horrível fato de que algumas de suas criações — Google, Facebook e Twitter — ajudaram a levar Donald Trump à Casa Branca, os gigantes da tecnologia do Vale do Silício estão apertando a tecla em pânico.
Contratam “moderadores de conteúdo” aos milhares. Fecham contas falsas. “Arrumam” o feed de notícias. Esc, Esc, Esc. Mas a página continua travada. E corrigir o problema demandará mais do que a tecla Esc. Algo do tipo ctrl+alt+del.
O mais recente episódio desse longo pesadelo do Vale do Silício foi o resultado das eleições presidenciais no Brasil, no domingo passado. As pessoas que trabalham no Facebook e no Twitter, em geral, são liberais, se não progressistas. Algumas até fantasiam sobre o socialismo enquanto dirigem seus carros Tesla. A imagem mental que fazem do Brasil é a do Rio de Janeiro na época do Carnaval. Para elas, Jair Bolsonaro é um monstro do politicamente incorreto. E, ainda assim, parece claro que Bolsonaro conquistou sua retumbante vitória na semana passada graças, principalmente, ao seu uso habilidoso das plataformas de mídias sociais nascidas e criadas no norte da Califórnia.
Bolsonaro deveria estar em desvantagem nas eleições por causa da forma como o tempo de propaganda na TV é distribuído no horário eleitoral gratuito. Geraldo Alckmin, do PSDB, tinha direito a cinco minutos e 32 segundos para sua campanha, enquanto Bolsonaro conseguiu apenas oito segundos no ar. Não fez diferença. Na semana da votação, Bolsonaro estava agregando novos seguidores no Twitter a uma taxa de quase 90 000 por dia. Seu principal rival, Fernando Haddad, do PT, tinha cerca de 650 000 seguidores, e esse número crescia ao ritmo de apenas 3 000 por dia. Em 3 de outubro, Bolsonaro fez sete postagens no Facebook e conseguiu 282 000 compartilhamentos. Haddad gerenciou vinte posts, mas conseguiu somente 21 000 compartilhamentos.
Populistas de direita e de esquerda entendem a força das mídias sociais. Os moderados, não
Não deveria ser assim. Por algum tempo, parecia que a internet estava do lado da democracia, ajudando multidões na Praça Tahrir, no Cairo, ou na Maidan, em Kiev, a derrubar tiranos terríveis. “A atual tecnologia de rede é realmente favorável aos cidadãos”, afirmaram Jared Cohen e Eric Schmidt, do Google, em seu livro de 2013, A Nova Era Digital. “Nunca antes tantas pessoas estiveram conectadas por meio de uma rede instantaneamente responsiva”, com implicações verdadeiramente “revolucionárias” para a política em todos os cantos.
Que dias felizes! Lamentavelmente, nos últimos dois anos, ficou claro que a internet pode significar uma ameaça maior às democracias do que aos ditadores. Por um lado, o crescimento das plataformas de rede vem criando oportunidades para que regimes autoritários controlem sua população com eficiência. Por outro, as próprias redes oferecem maneiras pelas quais os mal-intencionados — e não apenas o governo russo ou chinês — podem minar a democracia ao disseminar notícias falsas e visões extremas.
Na população urbana brasileira, 66% das pessoas recorrem às mídias sociais como fonte de notícias, entre elas 14% que afirmam usar o Twitter. O WhatsApp também é importante. Os 120 milhões de usuários ativos do Brasil representam 10% dos assinantes globais desse aplicativo.
Nas redes, não nos limitamos a apenas ler passivamente. Nós nos envolvemos. Curtimos. Retuitamos. Respondemos. Comentamos. E uma boa parte daquilo com que nos envolvemos on-line é notícia. Embora as plataformas de rede basicamente disseminem notícias de veículos profissionais, ao fazê-lo, algo estranho acontece. Quer em blogs ou no Twitter, as mídias sociais tendem a promover a polarização. Blogueiros liberais compartilham links com blogueiros liberais, raramente com blogueiros conservadores. Usuários liberais do Twitter retuítam uns aos outros, raramente seus pares conservadores. E tuítes sobre questões políticas — controle de armas, casamento entre pessoas do mesmo sexo, mudanças climáticas — têm 20% mais probabilidade de ser retuitados se tiverem palavras morais ou emocionais.
Como demonstrado por Daniel Hopkins, Ye Liu, Daniel Preotiuc-Pietro e Lyle Ungar, depois da análise de quase 5 milhões de tuítes gerados por 4 000 contas do Twitter, os usuários “muito conservadores” e “muito liberais” são os mais propensos a tuitar termos associados a política. Um fenômeno parecido pode ser visto ao analisarmos os seguidores do Facebook dos legisladores dos EUA. Tanto na Câmara quanto no Senado, quanto mais ideologicamente radical você for — à esquerda ou à direita —, mais seguidores terá.
A verdade é que, não importa quanto Facebook, Google e Twitter ajustem seus algoritmos, um novo tipo de política nasceu. Existem hoje no mundo duas categorias de político: o que sabe usar as mídias sociais como uma ferramenta de campanha e o que perde a eleição. Em todo o planeta, essa distinção é clara. Populistas de direita e de esquerda entendem a força das mídias sociais. Os moderados que ainda ocupam um lugar ao centro, com poucas exceções, continuam jogando de acordo com as regras.
As mídias sociais emergiram como o principal campo de batalha das eleições modernas, e, há apenas alguns anos, isso soaria como uma boa notícia. Afinal, o que poderia ser mais democrático do que dar aos políticos a possibilidade de comunicar suas mensagens diretamente aos eleitores de forma individual e de ouvi-los em tempo real? A única questão é se um discurso on-line é ou não verdadeiramente livre.
E se a maior ameaça à democracia não for a censura ou a vigilância on-line, e sim a ausência quase total de regulamentação da política nas mídias sociais? O difícil é saber como deve ser essa regulamentação. Segundo Sam Lessin — outro ex-facebookiano —, a verdadeira transformação provocada na esfera pública é que um candidato “pela primeira vez consegue falar com cada eleitor na privacidade de sua casa e dizer exatamente o que ele ou ela quer ouvir — de uma maneira que não pode ser nem rastreada nem auditada”.
“Esqueçam as fake news”, argumenta Lessin. A grande questão não é a polarização da discussão política na esfera pública. A questão é que essa discussão foi tão segmentada pelas redes — erroneamente chamadas de “redes sociais” — que não se dá mais apenas na esfera pública. A triste realidade é que a mais empolgante tentativa de unir nosso mundo está nos pondo em risco de não poder confiar naquilo que vemos ou ouvimos (e esse é o ponto que Lessin não percebeu). Esse é o novo cenário político em todas as democracias no planeta. No fim, trata-se de terreno fértil não só para as fake news, mas também para o populismo. Tecle Esc quanto quiser. Essa é a verdadeira — e inexorável — ameaça para todas as democracias e todos os candidatos centristas de hoje.
* Niall Ferguson é historiador e professor da Universidade Harvard
Publicado em VEJA de 17 de outubro de 2018, edição nº 2604