Já na sua estreia em disputas eleitorais nas capitais, em 1985, o PT pôde comemorar: Maria Luiza Fontenele obteve em Fortaleza uma vitória surpreendente e marcada por ineditismos — tornou-se a primeira prefeita da sigla e a primeira mulher a comandar um governo de capital no país. Três anos depois, o petismo conquistou três cidades, incluindo a maior delas, São Paulo, com outra vitória surpreendente, de Luiza Erundina. Ano a ano, a sigla foi melhorando o desempenho até chegar ao seu recorde em 2004, embalada pela primeira vitória presidencial de Lula, quando ficou com um terço das capitais (veja o quadro). Nos últimos anos, no entanto, abatido pela Lava-Jato, pelo impeachment e pela péssima gestão de Dilma Rousseff e pela ascensão do bolsonarismo, o desempenho foi minguando. Em 2016, elegeu só o prefeito de Rio Branco (AC) e sofreu um duro baque com a derrota de Fernando Haddad em sua tentativa de reeleição em São Paulo. Em 2020, foi pior: pela primeira vez, o partido não levou nenhuma capital e teve o seu pior desempenho em número de prefeituras no país.
Agora, com Lula de novo no poder, espera reeditar 2004 e voltar aos tempos de glória. Mais do que um resgate dos anos dourados, porém, a eleição de 2024 é estratégica para o PT e para o governo. Por um lado, o partido espera se valer dos benefícios de comandar a máquina federal e angariar votos com os programas sociais e outros investimentos da União, em especial as obras do Novo PAC, além de surfar na imagem de sua principal estrela, Lula. Do outro, o governo aposta em vitórias nas principais cidades para ganhar mais apoio político e dar um importante passo para fortalecer o projeto de reeleição para 2026, que deverá ter o próprio Lula à frente. O controle de prefeituras importantes, de resto, também pode ajudar na relação com o Congresso e na formação de uma base parlamentar maior e mais à esquerda para um eventual quarto mandato do petista.
A movimentação tem sido intensa no petismo nessa busca para tentar recuperar o terreno perdido nas disputas municipais. Em junho, o partido colocou para funcionar um colegiado chefiado pelo senador Humberto Costa (PT-PE), encarregado de coordenar as estratégias e as articulações políticas. Além de realizar seminários estaduais, a força-tarefa se reúne a cada quinze dias para avaliar o andamento das negociações, tanto internas quanto com outras legendas. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, também tem dado atenção especial a esse esforço. Ela já viajou para a maioria dos estados — e só pausou a agenda devido a uma cirurgia, mas em breve deve voltar aos encontros.
Nas conversas sobre estratégias, ficou decidido desde cedo que a legenda vai priorizar as cidades com mais de 100 000 eleitores. Embora sejam pouco mais de 200 no país, elas respondem por metade do eleitorado. O partido, que agora está conduzindo as suas plenárias municipais, espera ter uma definição dos candidatos ou de apoios a nomes de outras siglas até o final de novembro, a fim de começar as campanhas o quanto antes. Uma coisa a ser afastada são as disputas internas. “Vamos evitar ao máximo as prévias, porque, apesar de representarem um momento de mobilização do partido, são também um momento de muitos conflitos. Estamos tentando construir consensos”, diz Costa. O grande final da articulação do PT no ano será a Conferência Eleitoral Nacional em Brasília, em dezembro, no qual o próprio Lula dará o pontapé na corrida municipal.
Embora queira retomar protagonismo nas grandes cidades, o PT não faz estimativas de quantas prefeituras pretende conquistar, nem tem a pretensão de ter nome próprio em todas as disputas. A ideia, por ora, é lançar candidatos em doze ou treze capitais, especialmente no Nordeste, onde é forte o apoio a Lula — é quase certo que haverá petistas na cédula em Fortaleza, Natal, Teresina, João Pessoa, Maceió e Aracaju. A estratégia também inclui uma difícil tentativa de triunfar no Centro-Oeste, região na qual Jair Bolsonaro venceu Lula por uma margem significativa na eleição (60% a 40%). “Por incrível que pareça, hoje boa parte das nossas candidaturas que têm viabilidade está na região. Possivelmente em Goiânia, Cuiabá e Campo Grande tenhamos candidaturas do PT”, diz Costa. Com exceção da capital de Goiás, comandada pelo partido por três mandatos, as outras duas nunca tiveram um prefeito petista.
O pragmatismo, no entanto, vai falar mais alto em grandes cidades nas quais o PT pretende voltar a influir, mesmo que à custa de abrir mão da cabeça de chapa por falta de nomes competitivos. Em São Paulo, o partido vai apoiar o deputado Guilherme Boulos (PSOL), enquanto no Rio de Janeiro deve caminhar ao lado do prefeito Eduardo Paes (PSD). No Recife, a aliança será com o prefeito João Campos (PSB), que foi o principal adversário do PT na última eleição. Trata-se de uma mudança enorme de postura para um partido com alas refratárias a abrir mão do protagonismo. Neste ano, deputados como Jilmar Tatto (SP) e Lindbergh Farias (RJ) chegaram a esboçar um movimento por candidatura própria. Superadas as divergências (pelo menos até o momento), o novo foco de atrito poderá vir da montagem das chapas. Em troca de apoio, o PT quer protagonismo na campanha e, principalmente, a vaga de vice. Mas no Rio, por exemplo, Paes não se mostra disposto a dividir a cédula com um petista.
O grande trunfo do partido para 2024 será o envolvimento intenso do governo Lula, algo já bastante perceptível, por sinal. No início de agosto, o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) enviou um vídeo a dirigentes da sigla pedindo suporte ao “companheiro”. Recentemente, foi a um evento político em Heliópolis, uma das maiores favelas da capital paulista, onde ouviu Boulos, militante de movimento por moradia, ser aplaudido ao defender o Minha Casa, Minha Vida. Já o ministro Camilo Santana (Educação) deu uma grande colaboração ao anunciar um campus da Unifesp e dois institutos federais de ensino na Zona Leste — Boulos já usa abertamente os anúncios como trunfos em sua pré-campanha. É quase certo que Lula estará nas principais cidades durante as campanhas de 2024.
O sucesso da cartada petista, evidentemente, depende de muitas variáveis. A mais importante é como Lula e seu governo chegarão à eleição, em termos de popularidade. Um levantamento do Paraná Pesquisas feito para VEJA mostra que o petista ainda governa um país dividido — tem 51,6% de aprovação e 43,7% de desaprovação. Neste país ainda fragmentado, é quase certo que um dos adversários será o bolsonarismo. O PL espera usar a presença do ex-capitão nos palanques para conseguir 1 500 prefeituras — hoje tem pouco mais de 350. Neste mês, o ex-presidente foi a Santa Catarina visitar áreas atingidas pelas chuvas com um séquito de políticos do PL, quase todos de olho em 2024. Outro adversário importante do petismo deve ser a tendência recente do eleitor de optar pela centro-direita nas eleições municipais. Em 2020, os cinco partidos que mais elegeram prefeitos foram MDB, PP, PSD, PSDB e DEM — embora a maioria dessas siglas esteja na base governista, todas têm as suas próprias articulações para 2024. Não são poucos desafios para um PT que investe alto para tentar dar mais um passo decisivo com vistas a 2026.
Publicado em VEJA de 20 de outubro de 2023, edição nº 2864