Para derrotar Jair Bolsonaro nas eleições de 2022, o presidente Lula superou uma rivalidade histórica e formou uma chapa com o ex-adversário Geraldo Alckmin (PSB). A solidez da aliança sempre foi motivo de especulação. Havia quem apostasse — e ainda há quem aposte — que ela tem prazo de validade. Até aqui, os sinais apontam na direção oposta. Logo após a vitória nas urnas, o petista deu ao vice a missão de conduzir a transição do governo e, na sequência, o pomposo Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. No primeiro ano de mandato, ocupado com sua agenda internacional, o presidente entregou ao vice as chaves do seu gabinete mais de quinze vezes. Em todas elas, sabedor das teorias conspiratórias que rondam o governo, Alckmin cumpriu a missão com extrema discrição, evitando até mesmo usar a cadeira do chefe. Tanto do lado do presidente quanto do vice são recorrentes os sinais de que a parceria está mais do que consolidada — e será repetida em 2026. Falta apenas combinar com os outros aliados.
De maneira nada discreta, o MDB, por exemplo, já se articula para voltar ao centro do poder e quer fazer isso usando a Vice-Presidência como escada em 2026, quando é dada como certa a tentativa de reeleição de Lula. A iniciativa seria apenas um passo rumo a 2030, quando o petista estará fora do páreo e a legenda poderia ocupar, quem sabe, a dianteira em uma chapa presidencial. Ao menos três emedebistas são cotados para encabeçar o projeto: os ministros Renan Filho (Transportes) e Simone Tebet (Planejamento) e o governador do Pará, Helder Barbalho. “Não adianta ser vice para perder a eleição. O vice do presidente Lula tem de ser alguém que possa ajudá-lo a ganhar a disputa”, diz Tebet em entrevista nas Páginas Amarelas de VEJA. Em outras palavras, o “Zero Dois” do presidente tem de ser alguém que lhe traga votos. E é justamente esse ativo que alguns emedebistas juram ter de sobra, enquanto faltaria popularidade a Geraldo Alckmin, derrotado na disputa à Presidência por duas vezes e cuja carreira política era dada por encerrada até o início de 2022.
A intriga, claro, já chegou aos ouvidos do próprio vice-presidente, de seus assessores e da cúpula do seu partido. A interlocutores, Alckmin costuma esquivar-se do assunto dizendo que esse “não é um problema posto”. Uma resposta mais contundente fica a cargo de Carlos Siqueira, dirigente do PSB, legenda à qual Alckmin se filiou para facilitar a composição com Lula. “É um assunto completamente fora de contexto. Mas, já que o MDB inventou de fazer a reivindicação da vaga, é bom que o PT fique de olho, porque a experiência com eles no passado não foi das melhores. É bom lembrar do (Michel) Temer antes de ficar falando disso”, provoca Siqueira, ao rememorar o fantasma do impeachment de Dilma Rousseff. O líder socialista chama a aliança Lula-Alckmin de “casamento perfeito”. “O Alckmin veio para representar setores que o PT não tinha a confiabilidade nem representaria jamais — nem representará”, afirma, citando o agronegócio e os evangélicos, ambos apoiadores de Bolsonaro e mais refratários a Lula. O partido, porém, está em estado de alerta.
Desde o início do governo, o PSB foi a agremiação que mais encolheu na Esplanada. Dos originalmente três ministérios que comandava, restou, na prática, apenas o de Alckmin. O Ministério de Portos e Aeroportos, antes comandado pelo ex-governador Márcio França, acabou entrando nas negociações políticas e foi entregue a Silvio Costa, do Republicanos. Restou a França, fiel aliado do vice-presidente, uma secretaria transformada (só no nome) em ministério, o de Empreendedorismo. Já o ex-ministro da Justiça Flávio Dino, que era tido como a promessa do partido para suceder Lula na Presidência, foi indicado para o Supremo Tribunal Federal — uma mudança estratégica, dizem observadores da política, para tirar de campo um forte adversário contra o PT em 2030.
Indiferente à cobiça pelo seu posto, Alckmin se mostra cada vez mais à vontade no governo. Viaja pelo país representando o presidente, participa dos mais importantes encontros com ministros e aproximou-se de petistas como Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann. Na reunião ministerial de segunda-feira 18, por exemplo, o presidente Lula enviou um bilhete ao chefe da Casa Civil, Rui Costa, que fazia um arrastado balanço do governo, clamando por “mais entusiasmo”. Desconcertado, Rui Costa leu o recado no microfone, e ao fundo avisaram que, na verdade, Alckmin era o emissário do pedido — não era, mas troças do tipo se tornaram comuns por parte do vice. Precavido, o PSB já enviou recados aos aliados de que está atento aos movimentos e que qualquer discussão sobre o futuro do vice, além de extemporânea, é inconveniente, inoportuna e pode gerar uma situação desagradável para um governo que ainda nem chegou à metade. O aviso foi claro.
Publicado em VEJA de 22 de março de 2024, edição nº 2885