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Presos reformam presídio em cidade de Minas

Experiência transforma a rotina e cria novas expectativas para detentos. Para especialista, iniciativa pode ser levada a sistema carcerário brasileiro

Por Marcus Lopes
2 abr 2017, 16h10
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  • Cenas de presos promovendo quebra-quebras em presídios durante rebeliões fazem parte do tenso cotidiano do sistema carcerário brasileiro. Em uma pequena cidade em Minas Gerais, os detentos chamam a atenção por fazerem o contrário: eles constroem o lugar onde cumprem pena. Em Areado, no sul do Estado, os próprios detentos são a principal mão de obra para reformar o presídio local.

    Os reparos começaram em agosto, quando a cadeia, administrada pela Polícia Civil, foi transformada em presídio pelo governo de Minas. Ao assumir o cargo, o diretor nomeado pela Secretaria de Administração Prisional (Seap) deparou com um prédio da década de 1950 com problemas que iam desde vazamentos e banheiros quebrados a instalações elétricas inadequadas. “Os presos viviam em condições precárias, em um depósito humano”, lembra o diretor-geral do presídio, Julio César Ferreira Casimiro.

    Não havia histórico de fugas ou rebeliões, mas a entrada de drogas, telefones celulares e prostitutas era comum. Presos do regime semiaberto também foram acusados de ter praticado pequenos furtos na cidade de 14,8 mil habitantes enquanto passavam o dia fora da cadeia. Havia apenas um agente para cuidar dos cerca de cem detentos. Hoje 40 agentes penitenciários se revezam em quatro turnos.

    Histórico de descaso

    Julio Casimiro, diretor do presídio de Areado (MG)
    Julio Casimiro, diretor do presídio de Areado (MG) (Marcus Lopes/VEJA.com)

    “Era um escritório do crime, com muitos celulares, drogas e rock’n’ roll”, diz Casimiro, cujo primeiro trabalho foi o de restaurar a disciplina no local. “Eu sempre lembrava para eles a frase da bandeira brasileira e dizia: sem ordem não haverá progresso”, afirma. Sem dinheiro para os restauros, correu atrás de doações de material e utilização da mão de obra carcerária, autorizada pela Justiça.

    A reforma dividiu-se em três fases. Na primeira, já concluída, foi a construção de um novo setor administrativo, assistência social e enfermaria. A segunda, em andamento, é do albergue destinado aos atuais 50 detentos do semiaberto e das sete celas, onde vivem 40 presos do regime fechado. Por fim, a terceira, ainda sem data, será do prédio todo.

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    O material de construção é doado por moradores e entidades como a maçonaria e a seção local da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Se chega alguém aqui querendo doar dinheiro eu oriento e ir à loja de materiais de construção e comprar um saco de cimento ou uma lata de tinta”, diz o diretor.

    Atualmente seis presos trabalham nas obras. Parece pouco, mas eles precisam passar por uma seleção: devem mostrar interesse, ter bom comportamento e experiência na área. Como os escolhidos são beneficiados pela Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal), que prevê a redução da pena em um dia a cada três trabalhados, é preciso ter sido condenado para conseguir direito à remissão. Hoje, cerca de 40% dos internos são provisórios.

    Trabalho é perspectiva

    Desde o início do projeto, cerca de 20 presos atuaram na reforma. “Mas o desejo de 100% é trabalhar”, diz o diretor, que nota melhora acentuada no comportamento dos detentos assim que eles começam a participar. “Eles vêm perspectivas de uma nova vida quando deixarem o presídio.”

    João Carlos dos Santos
    João Carlos dos Santos (Marcus Lopes/VEJA.com)

    O ajudante João Carlos dos Santos, de 24 anos, condenado a cinco anos por tráfico de drogas, é um dos operários. Ele espera reduzir em pelo menos cinco meses o tempo de prisão. “Quando sair, vou voltar a trabalhar de pedreiro. Já estou ganhando experiência”, diz Santos.

    A população elogia o trabalho realizado pela Seap no município. “Mente vazia é oficina do diabo. Por isso é bom os presos trabalharem”, diz o advogado João Pedro Palmieri, colaborador do projeto. A transformação da antiga cadeia pública em presídio também é elogiada pela comunidade. “O policial militar, que antes tinha de cuidar da cadeia, fica liberado para trabalhar na segurança das ruas”, diz o presidente da OAB local, André Claudio de Figueiredo.

    Experiência pode ser modelo

    Para o cientista político Paulo de Tarso dos Santos, especialista em segurança e estudioso do sistema carcerário no Brasil, o projeto desenvolvido em Minas Gerais poderia ser levado a mais presídios do país, inclusive os grandes. “As unidades precisam desfazer o modelo de ‘penalização da pobreza’ e construir um exemplo em que o espírito de justiça prevaleça dentro e fora da prisão”, diz Santos, autor da tese de doutorado “Política Criminal Brasileira: A Negação da Cidadania em Marcha”, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

    A única restrição seriam presídios onde vigoram o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), ou de segurança máxima, onde os detentos têm restrições de mobilidade e contato com outras pessoas. Para o cientista político, esses presídio são exemplos de como os problemas do cárcere no Brasil “exigem amplo debate e oferta de novas soluções”.

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