Alexandrino Alencar, um dos 77 delatores da Odebrecht na Operação Lava Jato, depôs nesta segunda-feira ao juiz federal Sergio Moro em um dos processos que têm entre os réus o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Arrolado como testemunha de acusação pelo Ministério Público Federal, Alencar disse não ter participado da compra do terreno onde seria construído o Instituto Lula, em São Paulo, transação de 12,4 milhões de reais feita por uma empresa que funcionou como “laranja” da empreiteira.
Ele confirmou, no entanto, que depois que Lula decidiu não aproveitar a propriedade, Marcelo Odebrecht o procurou, mostrou a planilha “Posição programa especial italiano”, com dados da corrente de propina que mantinha com o ex-ministro Antonio Palocci, e ordenou que 12 milhões de reais dali fossem usados à compra de outro imóvel ao Instituto Lula.
Questionado por Moro pelos motivos que levaram a Odebrecht a comprar um terreno para o instituto que leva o nome do ex-presidente, Alexandrino Alencar respondeu que a aquisição se daria “em retribuição, em contrapartida ao que o presidente Lula fez no passado, também em função da importância dele no então governo e também no futuro político do ex-presidente Lula na época”.
O ex-funcionário da Odebrecht Realizações Imobiliárias João Alberto Lovera também falou a Moro e relatou como seu superior, Paulo Baqueiro Melo, delegou-lhe a tarefa de encaminhar a compra do terreno, executada pela DAG Construtora. “O Paulo Melo me chamou e falou: ‘Olha, o Marcelo pediu pra gente avaliar um terreno para comprar pro Instituto Lula. Aí fomos até o escritório do advogado do Instituto, que era do Dr. Roberto Teixeira, e ele me apresentou o Roberto. Depois, tive uma segunda reunião, onde é que eu peguei os documentos do terreno, que seria a matrícula, né? Fiz uma leitura prévia no documento e tinha alguns apontamentos de ordem tributária”, disse Lovera, que contou ter recebido o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, além de Lula e Marisa Letícia em uma visita de 40 minutos ao terreno, em 2011.
Sobre a visita do casal Lula da Silva ao terreno, Alexandrino Alencar relatou que “depois que o ex-presidente Lula, junto com a ex-primeira-dama [Marisa Letícia] visitou o imóvel, eles acharam por bem que esse imóvel não se adaptaria ao Instituto lula e que eles declinavam desse imóvel. Aí Marcelo Odebrecht me informa: ‘olha Alexandrino, nós fizemos essa aquisição, mas o ex-presidente Lula não quis o imóvel, então o que eu combinei é que você e Paulo Okamotto buscassem outro imóvel’”.
O delator ainda declarou diante de Sergio Moro que “no contexto da desistência do imóvel, ele [Marcelo Odebrecht] disse ‘eu tenho uma planilha com Palocci e essa planilha tem 12 milhões de reais. Então trabalhe dentro desse volume de recursos [na procura pelo imóvel]’”.
Diante da recusa do petista ao imóvel, Alexandrino conta ter passado a tratar com Okamotto sobre a busca da nova sede da entidade. Ele disse no depoimento que a Odebrecht Realizações Imobiliárias apresentou “mais de 15 projetos” a Okamotto e que visitou três imóveis ao lado dele ao longo de um ano. “No final, não se adaptou nenhum imóvel, então começou a se aventar a hipótese de fazermos alguma adaptação no imóvel atual”, afirmou Alencar.
O que pesa conta Lula
Além da compra do terreno ao Instituto Lula por 12,4 milhões de reais, feita pela DAG Construtora, o ex-presidente é acusado neste processo dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro na suposta aquisição de uma cobertura vizinha à sua no edifício Hill House, onde mora, em São Bernardo do Campo, por 504.000 reais.
O dinheiro teria sido desviado de obras como a terraplenagem do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), das refinarias Abreu e Lima, em Pernambuco, e Getúlio Vargas, no Paraná, além da construção de plataformas de perfuração e da montagem de um gasoduto.
Também são réus neste processo Antonio Palocci, Marcelo Odebrecht, o advogado do petista, Roberto Teixeira, o ex-assessor de Palocci, Branislav Kontic, o ex-executivo da Odebrecht Paulo Ricardo Baqueiro de Melo, o empresário Demerval Gusmão, dono da DAG Construtora, e o primo do pecuarista José Carlos Bumlai, Glaucos Costamarques. A ex-primeira-dama Marisa Letícia Lula da Silva, que também era ré e morreu em fevereiro, teve a culpabilidade extinta por Moro.
Outro lado
Por meio de nota, o advogado do ex-presidente Lula, Cristiano Zanin Martins, afirma que “os depoimentos prestados mostram, mais uma vez, o caráter irreal da acusação, pois o MPF tenta atribuir a Lula ou a pessoa a ele relacionada um imóvel que jamais solicitou ou recebeu. A audiência foi marcada pelo incentivo à exploração de opiniões e juízos de valor por parte das testemunhas, tornando inevitável à defesa lembrar ao Juízo a vedação legal para essa conduta, prevista no artigo 212 do Código de Processo Penal.
Na falta de qualquer prova sobre a acusação veiculada na denúncia, o MPF buscou introduzir questionamentos estranhos à ação penal e baseados em documentos ligados à delações que a defesa somente teve ciência no final da manhã e não teria como analisar até o início dos depoimentos coletados na parte da tarde. Buscou-se um espetáculo midiático com evidentes prejuízos à defesa, que não viu apreciado o seu pedido de suspensão da audiência formulado ao TRF4 ainda no final da manhã”.