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O petróleo é meu: cidades vizinhas travam guerra bilionária nos tribunais

O alvo é a distribuição de dinheiro de royalties em duas das regiões mais badaladas do litoral brasileiro

Por Reynaldo Turollo Jr. Atualizado em 4 jun 2024, 11h04 - Publicado em 10 dez 2022, 08h00
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  • Em tempos de aperto fiscal, uma disputa barulhenta pela partilha dos royalties do petróleo, que atingem cifras bilionárias, tem esquentado o clima entre cidades vizinhas em duas das regiões mais badaladas da costa brasileira: o Litoral Norte de São Paulo e a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. A guerra chegou a tal ponto que as autoridades dos municípios envolvidos trocam acusações mútuas — na Justiça e nos bastidores — enquanto engrossam suas tropas com advogados e consultores caríssimos em busca de fazer prevalecer seus interesses. O esforço se justifica: estão em jogo valores que podem representar até metade da receita das prefeituras.

    O imbróglio começou em 2020, quando a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e o IBGE revisaram os critérios de distribuição de royalties tirando uma parte de Ilhabela (SP) em favor da vizinha São Sebastião. A ANP é responsável pelos pagamentos, enquanto o IBGE traça as linhas imaginárias de projeção que determinam quais cidades têm direito ao recurso. Anteriormente, a tal linha parava em Ilhabela. Com a mudança, os órgãos passaram a entender que o limite deveria seguir até a parte continental, o que beneficiou São Sebastião.

    No início deste ano, com base no caso paulista, três municípios fluminenses — São Gonçalo, Magé e Guapimirim — acionaram a Justiça pedindo o mesmo raciocínio à Baía de Guanabara, beneficiária dos royalties do petróleo produzido no Campo de Tupi, o maior do pré-sal do país. O argumento básico é que um vazamento de óleo não pararia na entrada da baía, mas prosseguiria até os municípios que estão atrás. Hoje, as cidades da entrada — Niterói, Maricá e Rio — ficam com a maior fatia, enquanto as do “fundo” recebem bem menos (veja o quadro).

    DO RIO A BRASÍLIA - Niterói: a disputa na Baía de Guanabara já chegou ao STF -
    DO RIO A BRASÍLIA - Niterói: a disputa na Baía de Guanabara já chegou ao STF – (Marcia Silva/EyeEm/Getty Images)

    Os municípios que se consideram prejudicados pela regra foram à Justiça, a começar por Ilhabela. Em 2020, a prefeitura local abriu processo para tentar barrar a mudança, sob o argumento de que não foi ouvida. Desde então vem recebendo sua parte de acordo com a nova divisão, mas os recursos que seriam para São Sebastião têm sido depositados em uma conta judicial. O valor já chega a 902 milhões de reais, e o litígio foi parar em três tribunais. Na segunda-feira 5, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) finalmente liberou o dinheiro para São Sebastião. O prefeito de São Sebastião, Felipe Augusto (PSDB), quer utilizar 300 milhões de reais para zerar déficits e precatórios e colocar em dia a previdência local. Com o restante, pretende construir escolas, creches e um prédio hospitalar, revitalizar praças e a iluminação da orla e, claro, investir no turismo. Contudo, a relação com a vizinha Ilhabela, a quem acusa de adotar uma “postura procrastinatória”, ficou estremecida. “É óbvio que as relações estão abaladas”, afirma.

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    No caso fluminense, o TRF2 deu ganho de causa a São Gonçalo, Magé e Guapimirim — que chegaram a receber em agosto os royalties mensais e a participação especial paga trimestralmente, que é a parte mais gorda (cerca de 200 milhões de reais para cada município). Niterói recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). A presidente da Corte, ministra Maria Thereza de Assis Moura, suspendeu em setembro os pagamentos, e o caso está no Supremo. A prefeitura de Niterói diz que haverá interrupção de serviços e atraso de salários. Já São Gonçalo afirma que a vizinha recebe tanto que nem consegue gastar — Niterói criou um fundo soberano, uma “poupança dos royalties”, para usar no futuro. “São Gonçalo é uma das cidades mais carentes do estado e o que recebemos é insignificante. Não queremos mais ser o patinho feio”, diz a procuradora-geral do município, Januza Santos.

    Há ainda uma outra polêmica rondando essa disputa: os três municípios do Rio contrataram sem licitação uma banca de advogados que inclui o filho de um ministro do STJ (Djaci Falcão, filho de Francisco Falcão) e um especialista que atua em vários litígios sobre royalties (Vinícius Peixoto). A banca ganhará 20% dos valores pagos às prefeituras a título de taxa de sucesso — valor milionário que está em exame no Tribunal de Contas do Estado. Peixoto afirma que os honorários estão de acordo com o mercado e que os profissionais estudaram durante anos para atuar nessa seara. A prefeitura de São Gonçalo diz que o contrato é vantajoso para o município, que não tem procuradores com expertise nesse tema. Além disso, os honorários cobrirão gastos dos advogados com a contratação de técnicos, como geólogos e engenheiros ambientais.

    As disputas atuais são um reflexo da cobiça gerada pela exploração do pré-sal. Iniciada nos governos petistas, ela teve um começo alvissareiro, com a promessa de que os recursos pagos pelas empresas à União, aos estados e aos municípios serviriam para reparar desigualdades, gerar desenvolvimento regional e movimentar a economia. De fato, somente para os municípios são pagos por mês mais de 1,5 bilhão de reais — isso sem contar as parcelas trimestrais, que dobram o valor. No entanto, dos 900 municípios beneficiários, cerca de 300 brigam na Justiça para rever critérios de partilha. O cenário mostra que a regulamentação do setor carece de aprimoramentos e de maior segurança jurídica. Só assim toda a riqueza do petróleo poderá, de fato, ser traduzida em mais desenvolvimento econômico e social.

    Publicado em VEJA de 14 de dezembro de 2022, edição nº 2819

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