O que era para ser uma viagem de sonhos, daquelas que mudam o curso da vida, virou um doído pesadelo. Estava indo do Recife para Navegantes, em Santa Catarina, de onde seguiria para Genebra, na Suíça. Tenho uns amigos lá e arranjei emprego na cozinha de um restaurante. Só não podia deixar para trás Pandora, a cadelinha vira-lata de orelhas pontudas que adotei há cinco anos e de quem não me separo. Em 15 de dezembro, embarcamos, eu na cabine, ela no compartimento de cargas. Estava feliz, leve. Foi na conexão em Guarulhos que senti um buraco se abrir em meu peito: me avisaram que a cachorra havia desaparecido no aeroporto. A companhia aérea dizia que ela tinha roído a caixinha onde era transportada, o que não se confirmou. Bateu o desespero. Decidi que não iria prosseguir viagem e comecei a fazer de tudo para encontrar Pandora. Foram 46 dias de sofrimento, mas também de esperança. Nunca desisti dela.
A empresa aérea me instalou em um hotel. Aí, minha rotina passou a ser acordar cedo e sair para procurar Pandora em tudo que é canto. Distribuía panfletos com a foto dela no saguão, nos arredores do aeroporto e nos bairros da cidade. Minha insistência fez a notícia circular em grupos de WhatsApp de funcionários e passageiros que estão sempre por ali. A história despertou também o interesse de associações de defesa dos animais, que me ajudaram a espalhar a informação. Uma pessoa, que me apoia até hoje, ficou sabendo do caso e gentilmente me hospedou depois que a companhia aérea suspendeu o hotel, decisão que felizmente seria revertida. A corrente de solidariedade que se formou me tocou muito e ao mesmo tempo me surpreendeu. Cheguei a receber mensagens de apoio dos Estados Unidos, Suíça, Bélgica, Itália. O elo do ser humano com os cães não tem fronteiras, é universal.
Fiquei o tempo todo alerta, ativo, correndo atrás, mas isso não aplacava minha agonia. Sentia um vazio profundo. Passava noites sem dormir. Às vezes, acordava e não queria sair da cama. Pode parecer exagero: a angústia era tanta que perdi a fome. Emagreci 16 quilos. E, em meio a isso, com a mobilização que havia provocado, começaram a chegar informações sobre o paradeiro de Pandora. Só que elas eram desencontradas. Fui até o Rio de Janeiro seguindo a pista de um caminhoneiro que jurava tê-la visto caminhando pela Rodovia Presidente Dutra. Estava tão desesperado que, se falassem que ela estava no trenó do Papai Noel, eu ia atrás. Trotes, golpes, pedidos falsos de vaquinha também se tornaram frequentes. Apareceu muita gente oportunista querendo tirar proveito da situação.
Foi um milagre finalmente achar Pandora em uma cidade imensa como Guarulhos. Um funcionário do aeroporto a avistou se escondendo da chuva, embaixo de um viaduto no terminal 3. Por precaução, como não tinha 100% de certeza de que era mesmo minha cachorra, resolveu ligar para minha mãe, que já havia chegado a São Paulo para me apoiar. Pandora estava quietinha quando ela a avistou, esperando para ser resgatada em um terreno baldio. Minha mãe fez questão de vê-la, se assegurar de que não era notícia falsa e de que estava tudo certo, até levá-la a mim. O reencontro foi muito especial. Eu chorava sem parar com ela em meus braços. Me chamou atenção quanto estava magrinha, abalada, mas viva, vivíssima. O episódio todo me fez pensar em um monte de coisas, desde as de ordem prática — as companhias precisam dispensar mais atenção ao transporte de animais de estimação — até no rumo que darei à minha vida. O emprego em Genebra foi preenchido e estou decidindo se volto para Recife ou permaneço em São Paulo, para um recomeço. Com tantas possibilidades em aberto, certo mesmo é que Pandora estará por perto.
Reinaldo Júnior em depoimento dado a Marina Lang
Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2022, edição nº 2775