A senhora foi atacada nas redes por trabalhar para uma empresa de bebidas alcoólicas, enquanto o budismo prega “a plena consciência”. É uma contradição? Claro que não. Buda concordaria comigo: ele sempre pregou que o caminho da iluminação passa pela moderação, exatamente o que defendo como embaixadora da Ambev. A questão não é nem encher a cara, nem deixar de beber uma gota de álcool, mas encontrar um ponto no meio. Os excessos fazem mal, assim como a escassez também é prejudicial.
Outra enxurrada de críticas veio pelo fato de a senhora ter se associado a uma marca privada, ligada ao consumo, sendo um símbolo do desapego. Também não faz sentido. Não sou socialista e entendo o mundo em que vivo — e ele é capitalista. A nós, religiosos, cabe, isso sim, orientar as grandes empresas, no lugar de só ficar criticando por buscarem o lucro.
Como é sua relação com o álcool? Já bebi muito, consumia álcool até no mosteiro. Um dia, já se vão quase dez anos, exagerei, passei muito mal e pisei no freio. Hoje, às vezes tomo um vinho. Mas tem gente que quer exigir que eu não beba nada, que não coma carne, que seja vegana. Esperam de mim uma divindade, quando sou um ser humano.
A senhora é a monja mais popular das redes sociais, com 2,7 milhões de seguidores no Instagram. Gosta da exposição? Quanto mais gente eu conseguir alcançar com minhas ideias, melhor. Agora, em nenhum momento decidi: vou viralizar. Foi natural. As pessoas estão cada vez mais interessadas na espiritualidade, e a pandemia intensificou dúvidas existenciais, abrindo as portas para o autoconhecimento. Se Buda estivesse vivo, provavelmente também teria um perfil nas redes.
O budismo pode ajudar a refletir sobre o momento por que passa o Brasil? Estamos atravessando um período de desequilíbrio. Mas o primeiro ensinamento de Buda é que não há nada permanente, então acredito que tudo vai melhorar, sempre. Um bom caminho é não viver nos extremos, mas na harmonia.
Há como alcançar harmonia no atual cenário de polarização? Essa agressividade que vemos aí não está com nada. E a forma de o presidente se expressar não contribui. Ele deve ter sido um bebê bonito. Fico pensando nas experiências que enfrentou para se tornar uma pessoa tão rude. É um meninão dando exemplos que podem ser bastante prejudiciais.
Na autobiografia de Rita Lee, ela, com quem a senhora conviveu nos anos 70, relata que seu passado de excessos não tem nada a ver com a filosofia que prega. Procede? A Rita foi casada com meu primo, o Arnaldo Baptista, mas sabe pouco sobre mim, alguma coisa entre a gente não batia. Mas, sim, na juventude eu bebia quase todos os dias, fumava, vivia uma sexualidade livre. Já tive experiências com LSD e haxixe. Buscava Deus em viagens alucinógenas. Tudo isso foi vital para me conduzir à filosofia budista e vivo em paz com esse passado.
Publicado em VEJA de 1 de setembro de 2021, edição nº 2753