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Ministros ignoram frente ampla e apostam no ‘cada um por si’ em 2024

O desafio de Lula é impedir que os duelos municipais causem turbulência na administração federal e prejudiquem a sua provável campanha à reeleição

Por Daniel Pereira Atualizado em 4 jun 2024, 09h58 - Publicado em 17 nov 2023, 06h00
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  • Na eleição presidencial mais disputada desde a redemocratização, Lula derrotou Jair Bolsonaro em 2022 com a ajuda de uma frente ampla, que reuniu até antigos adversários do petista, como o ex-governador e atual vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, tucano histórico convertido em neossocialista. Na campanha, prevaleceu entre mais de uma dezena de partidos o entendimento de que Bolsonaro representava um mal maior, uma ameaça à democracia brasileira, o que justificava a aliança entre atores políticos com programas e ideias diferentes. Na formação do governo, o PT, hegemônico por natureza, ficou com os principais ministérios, mas Lula acomodou na Esplanada os esquerdistas PSB e PCdoB, os centristas MDB e PSD e até o direitista União Brasil. Recentemente, em troca de apoio no Congresso, escalou indicados de PP e Republicanos, legendas que deram sustentação à gestão anterior. Com maior ou menor comprometimento, essas siglas estão juntas na base governista, mas serão rivais, em muitos casos, nas eleições de 2024. O desafio de Lula é impedir que os duelos municipais causem turbulência na administração federal, atrapalhem a governabilidade e prejudiquem a sua provável campanha à reeleição.

    Um dos embates entre aliados do presidente acontecerá na cidade de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país. O PT assumiu o compromisso de apoiar a candidatura do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) à prefeitura, hoje comandada por Ricardo Nunes (MDB), que tentará a reeleição. Lula já deu declarações favoráveis a Boulos, que concorrerá também com outro nome do campo da esquerda, a deputada federal Tabata Amaral (PSB). Em evento partidário no fim do mês passado, Alckmin divergiu publicamente do presidente e fez questão de reforçar a pré-campanha de Tabata ao dizer que ela representa “a verdadeira mudança”. O vice, que acumula a função de ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, reforçou uma regra bem conhecida na política: a de que as disputas locais, na maioria das vezes, não reproduzem a lógica das alianças nacionais. Na capital paulista, a tendência é que os esquerdistas se unam apenas em eventual segundo turno, no qual, alegam, haverá um nome da direita. “Onde for possível, estaremos juntos no primeiro turno. Onde houver candidatos competitivos, disputaremos (entre nós) e estaremos juntos no segundo turno. Não consigo enxergar problema para o governo Lula”, diz o presidente do PSB, Carlos Siqueira.

    A um ano da eleição, é fácil entoar um discurso de harmonia, ainda mais quando as candidaturas citadas são de parceiros históricos. Mas em outras capitais a rivalidade se dará entre campos políticos diferentes. No final de outubro, o petista Jaques Wagner, líder do governo no Senado, anunciou apoio ao deputado estadual Robinson Almeida à prefeitura de Salvador, causando um rebuliço em seu próprio partido, o PT, que tem outros pré-candidatos, e no MDB, que sonha com uma aliança com os petistas em torno do vice-governador da Bahia, Geraldo Junior (MDB). Os dois partidos são da base do governador Jerônimo Rodrigues (PT), assim como o PSB, que chegou a cogitar, mas descartou, a candidatura do ex-vereador José Trindade, próximo do ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa. Em tese, caberá ao governador costurar um acordo entre as legendas e ungir um nome para representá-las. Não será fácil. Mandachuva do MDB na Bahia, o ex-ministro Geddel Vieira Lima estrilou quando Jaques Wagner defendeu a escolha de um petista. Geddel é conhecido por fazer política com o fígado, e o partido dele só embarcou na frente ampla liderada por Lula no segundo turno, por decisão de Simone Tebet. Terceira colocada na eleição presidencial, Simone foi recompensada com o cargo de ministra do Planejamento e é considerada potencial candidata ao Planalto em 2026.

    Em outro grande colégio eleitoral, Belo Horizonte, a situação também parece complicada. O prefeito da capital mineira, Fuad Noman (PSD), deve disputar a reeleição, já que perdeu força a possibilidade de o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, seu colega de partido, sair candidato. Na eleição para o governo de Minas, em 2022, o PT abriu mão de concorrer para apoiar um nome do PSB. Agora, no entanto, não quer ceder espaço e já lançou a pré-candidatura do deputado federal Rogério Correia à capital mineira. Por enquanto, não há possibilidade de composição com o PSD, partido que controla três ministérios, preside o Senado com Rodrigo Pacheco e é comandado por Gilberto Kassab, influente secretário do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, um dos principais líderes da oposição a Lula. Geralmente, quando partidos aliados no plano nacional disputam prefeituras, o presidente costuma adotar como regra a imparcialidade — ou, pelo menos, simula uma postura olímpica. Nem sempre dá certo. Às vezes, as normas de boa convivência combinadas em Brasília são simplesmente ignoradas nos municípios, dando espaço a disputas fratricidas, como está ocorrendo no Ceará.

    À frente do Ministério da Previdência, com Carlos Lupi, o PDT deve lutar pela reeleição de José Sarto à prefeitura de Fortaleza. Se depender do ex-ministro Ciro Gomes, quarto colocado na eleição presidencial de 2022 e hoje desafeto de Lula, não haverá composição com o PT. Se depender do senador Cid Gomes, irmão de Ciro, tudo pode ser alvo de negociação com os petistas, até a cabeça de chapa. Os petistas têm pelo menos quatro pré-candidatos à prefeitura — entre eles, a deputada Luizianne Lins. O ministro da Educação, Camilo Santana, já defendeu publicamente o direito de o PT participar da disputa, independentemente da decisão do PDT. Os pedetistas estão em pé de guerra. No começo do mês, Sarto se reuniu em Brasília com Carlos Lupi e o presidente do PDT, André Figueiredo, e, logo em seguida, foi decretada uma intervenção no diretório cearense a fim de tirá-lo das mãos de Cid Gomes. O senador recorreu à Justiça, conseguiu anular a medida e retomar as rédeas do diretório. A questão parece local, mas tem como pano de fundo um embate entre quem defende a manutenção da aliança nacional com o PT, inclusive em 2026, e quem quer seguir um caminho de oposição ou, no mínimo, de independência.

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    Apesar de parecerem distantes, rivalidades locais podem render dor de cabeça ao presidente da República, mesmo em colégios menores como o Maranhão, onde os ministros da Justiça, Flávio Dino (PSB), e das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil), são adversários políticos. Acossado por denúncias de irregularidades, Juscelino credita seu desgaste à Polícia Federal, órgão que está sob o guarda-chuva de Dino. Na eleição de 2024 para a prefeitura de São Luís, os dois apoiarão candidatos diferentes. Juscelino trabalhará pela reeleição de Eduardo Braide (PSD), enquanto Dino apadrinhará o deputado federal Duarte Junior, seu colega de partido. Em seus dois mandatos anteriores, Lula costumava dizer que não se envolveria nas eleições municipais, a não ser, claro, quando houvesse uma disputa entre um aliado e um oposicionista. No próximo ano, é provável que ele siga o mesmo receituário, mas, mesmo com todos os cuidados que precisa ter para não melindrar integrantes da frente ampla, ele tentará cumprir dois objetivos. O primeiro, mais imediato, é redimir o PT, que em 2020 elegeu apenas 183 prefeitos, o pior desempenho do partido neste milênio. O segundo, de médio prazo, é costurar acordos que permitam o fortalecimento de outras legendas governistas. Por ordem do presidente, o PT deve abrir mão de concorrer, por exemplo, no Rio de Janeiro e no Recife. A vitória que interessa a Lula é em 2026 — de preferência, com o apoio de uma ou duas dezenas de partidos.

    Frente ampla demais
    Interesses envolvendo as eleições municipais já provocam divergências entre ministros das siglas que hoje fazem parte da base de apoio do governo Lula

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    São Paulo
    O PT fez um acordo para apoiar o deputado Guilherme Boulos. O vice Geraldo Alckmin já anunciou preferência pela deputada Tabata Amaral na disputa

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    Salvador
    O ministro Rui Costa queria indicar um aliado, mas despontam como pré-candidatos o vice-governador Geraldo Junior e o petista Robinson Almeida

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    Belo Horizonte
    Com o apoio do ministro Alexandre Silveira, o prefeito Fuad Noman vai disputar a reeleição, provavelmente enfrentando o deputado Rogério Correia

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    Fortaleza
    Os ministros Camilo Santana e Carlos Lupi estarão em lados opostos. O primeiro deve apoiar um nome do PT, provavelmente Luizianne Lins. O segundo, a reeleição de José Sarto

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    São Luís
    Os ministros Juscelino Filho e Flávio Dino também estarão em lados opostos — um defendendo a reeleição de Eduardo Braide e o outro apadrinhando o deputado Duarte Junior

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    Fotos Cadu Gomes/VPR; André Ribeiro,Fátima MeiraA/Futura Press; Câmara dos Deputados; GOVBA; SECOMBH; PMF; Valter Campanato/Agência Brasil; Agência São Luís

    Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2023, edição nº 2868

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