No dia 25 de janeiro de 2019, o país assistiu chocado ao cenário de devastação e morte provocado pelo rompimento de uma barragem da mineradora Vale em Brumadinho (MG). No rastro de toneladas de lama, ao menos 270 pessoas foram mortas e um gigantesco alerta foi dado: era preciso a adoção urgente de medidas para que aquilo nunca mais se repetisse — até porque, três anos antes, uma estrutura em Mariana, no mesmo estado, também havia se rompido, provocando dezenove mortes e uma das maiores tragédias ambientais do país. “Brumadinho será a última. Aqui, em Minas, não irá ocorrer a repetição deste fato tão lastimável”, afirmou o recém-empossado governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), em abril de 2019. Mas, quase três anos depois, o temor voltou com força em meio aos temporais que atingiram Minas. Em Nova Lima, região metropolitana de Belo Horizonte, casas e estradas ficaram alagadas na vizinhança de uma barragem que está sob risco iminente de rompimento. A perplexidade foi maior por um motivo: aquela estrutura nem deveria estar mais ali.
Enquanto ainda era respeitado o luto por Brumadinho, um mês depois da tragédia de 2019, os deputados estaduais aprovaram um prazo de três anos para que todas as barragens com alteamento a montante, como as que haviam rompido, fossem esvaziadas ou aterradas — o ultimato foi confirmado por uma lei federal. Isso, no entanto, não vai ocorrer. Das 73 estruturas desse tipo no país, apenas oito foram descaracterizadas, termo técnico usado para a ação — dezessete não têm sequer um plano para isso, segundo a Agência Nacional de Mineração (veja o quadro abaixo). Em Minas, das 54 existentes, sete foram desativadas. As empresas garantem que até 25 de fevereiro, quando termina o prazo, outras doze terão o mesmo destino.
Há motivos de sobra para preocupação. Entre as barragens que não foram descaracterizadas estão três com nível máximo de alerta, ou seja, podem romper a qualquer momento. Elas estão nas cidades de Nova Lima, Ouro Preto e Barão de Cocais, onde moradores já foram obrigados a sair de suas casas. O caso mais preocupante é o da barragem Forquilha III, em Ouro Preto: segundo a ANM, a Vale nem sequer concluiu o plano de descaracterização da barragem, que agora corre o risco de romper.
Até hoje não se sabe ao certo quais punições serão aplicadas. O governo estadual diz que estuda se abrirá processos judiciais, mas as medidas “só serão tomadas após o vencimento do prazo”. As empresas pedem mais tempo. Alegam que há depósitos que concentram centenas de milhões de toneladas de minério, argila e sílica e que o período de três anos concedido pela lei é irreal. O presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais, Flávio Roscoe, afirma que a prorrogação é necessária para que tudo seja feito com os cuidados necessários para não desestabilizar as estruturas. “Se pudéssemos fazer amanhã, faríamos”, diz. A única certeza é que a população no entorno vai conviver por anos com o risco associado a essas estruturas, pois a descaracterização de muitas será a perder de vista. A última barragem a montante de Minas só será totalmente eliminada em 2035.
A história recente ensina que é um erro grave fazer vistas grossas a alertas. Em 2019, as investigações deixaram claro que a Vale ignorou relatórios produzidos dentro da própria companhia que apontavam o risco de rompimento em Brumadinho. A negligência custou a queda de quase todo o comando da companhia, uma das maiores do país. Três anos depois, os bombeiros ainda procuram sete corpos nos escombros. Mas a série de erros que levaram àquela tragédia e a comoção causada pelo episódio, ao que parece, não foram suficientes.
Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2022, edição nº 2773