Antes mesmo de pisar na cidade argentina de Puerto Iguazú para a cúpula dos chefes de Estado do Mercosul, na qual assumiu a presidência rotativa do bloco, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já havia estabelecido o tom da reunião, e ele era de bronca: em uma live, descartou qualquer situação em que “eles ganhem e a gente perca”, sendo eles a União Europeia, com quem Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai negociam um pacto comercial. O nó da questão, para Lula, é o conjunto de exigências ambientais, que ele qualifica de “ameaças”, como contrapartida ao acordo. O presidente brasileiro tem, nessa e em outras questões, a retaguarda fornecida pelo fiel escudeiro Alberto Fernández, da Argentina. Os dois estão em sintonia na definição do comércio do bloco — ao contrário do uruguaio Luis Lacalle Pou, que não assinou a declaração conjunta de Puerto Iguazú por discordar do que vê como protecionismo econômico do Mercosul. Fernández também se calou quando o mesmo Lacalle Pou e o paraguaio Mario Abdo Benítez cobraram uma posição clara do bloco em relação ao regime de Nicolás Maduro, a quem Lula tem feito afagos (o mais recente foi declarar que o conceito de democracia é “relativo”). Encalacrada em um lamaçal econômico, a Argentina vê uma tábua de salvação na relação unha e carne de Fernández com Lula. No caso do acordo do Mercosul, porém, há que ter cautela: a postura linha-dura arrisca colocar duas décadas de negociações com a União Europeia no freezer.
Publicado em VEJA de 12 de julho de 2023, edição nº 2849