O que motivou a criação do curso? Percebia na minha academia de jiu-jítsu mulheres buscando aulas para se defender. Estudei mais a fundo defesa pessoal e descobri que não havia um curso específico de uma mulher para outra, eram aulas feitas por homens que não sabem o que nós passamos.
Quais situações de risco já enfrentou? Fui criada no Rio de Janeiro. Em uma festa, a mulher sempre passa por episódios constrangedores, desde homens puxando seu braço até corredor de rapazes na porta do banheiro feminino. Quando andamos na rua, no transporte público, num estacionamento, com carro de aplicativo, todos esses cenários são mais temidos por mulheres do que por homens. Passei e passo por situações assim, então trouxe minha experiência como mulher e atleta para o curso, no qual tenho apoio de uma psicóloga e uma ex-policial, que me ajudam a saber quais são as agressões mais comuns.
No curso são ensinadas técnicas de antecipação de risco, para a mulher se manter alerta. Como viver assim sem ficar paranoica? É diferente estar alerta e estar tensa. Uma pessoa sempre tensa não vive. Mas, no Brasil, uma mulher precisa se proteger. Ao andar sozinha em uma rua ou estacionamento, não fique desatenta olhando o celular. Se chamou um carro por aplicativo, sente-se atrás no motorista, para não se mostrar uma presa fácil. Esses detalhes minimizam as chances de ser uma vítima. Outra dica é: se estiver em perigo, grite fogo, nunca grite socorro. Há mais chances de alguém ajudar ou olhar e constranger o agressor.
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Após cinco anos ensinando defesa pessoal, qual a lição mais importante? Que não é sobre ganhar ou perder. Há quem ache que defesa pessoal é para aprender a brigar e a peitar agressores, mas não. É para sair ilesa, para evitar o conflito, se empoderar, ter autoconfiança. É também para que a mulher esteja tão bem treinada que, assim, a reação seja automática. É um curso que dou esperando, no fundo, que não seja usado.
Com a quarentena, relatos de violência doméstica aumentaram. Defesa pessoal serve para essas mulheres? Sim. A antecipação de risco também ensina a mulher a perceber se está num relacionamento abusivo. Existem sinais, como ciúme, cerceamento de liberdade. Há vários tipos de abuso, por isso endosso a denúncia.
O que ensina para suas duas filhas na infância que será útil para defesa pessoal no futuro? Adapto tudo para a realidade de meninas de 4 e 5 anos. Não falo sobre estrangulamento, mas falo “se alguém fizer cosquinha no seu pescoço, saia assim”. Quando quero ensiná-las a se posicionarem digo que “se alguém pegar seu brinquedo, você fala assim”. No futuro, elas vão entender por que as ensinei isso.
Publicado em VEJA de 19 de agosto de 2020, edição nº 2700