A Justiça de São Paulo autorizou a gestão do prefeito João Doria (PSDB) a fazer busca e apreensão de usuários de droga da região da Cracolândia para avaliação médica. O juiz Emílio Migliano Neto, da 7ª Vara da Fazenda Pública, determinou, porém, que a internação compulsória continue dependendo de aval do Judiciário para cada caso, conforme prevê a legislação federal. A liminar vale inicialmente por um prazo de 30 dias.
A decisão judicial valerá apenas para dependentes químicos maiores de 18 anos da Cracolândia e adjacências. Eles poderão ser conduzidos à força à avaliação médica por agentes de saúde e do serviço social, com acompanhamento da Guarda Civil Metropolitana (GCM). O pedido foi feito na quarta-feira pela Procuradoria-Geral do Município, três dias após a operação policial que prendeu traficantes na Cracolândia e dispersou os viciados na região.
O promotor Arthur Pinto Filho, da área da Saúde Pública, disse que o Ministério Público Estadual recorrerá ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Segundo ele, o pedido é “esdrúxulo”, “genérico” e “sugere uma caçada humana” a pessoas que vagam pelas ruas. A Promotoria de Direitos Humanos classificou a medida como “um retrocesso ao começo do século passado” e “uma afronta à lei antimanicomial” de 2001.
À Justiça, a gestão Doria pediu a “concessão de tutela de urgência para busca e apreensão das pessoas em situação de drogadição com a finalidade de avaliação pelas equipes multidisciplinares (social, médica, assistencial) e, preenchidos os requisitos legais, internação compulsória”.
Na petição, a Procuradoria justifica o pedido dizendo que a ação realizada pela polícia na Cracolândia no último domingo provocou “dispersão de pessoas dependentes químicas pelo Centro da cidade e região” e que “os novos fluxos impedem qualquer aproximação assistencial porque o domínio desses locais continua com os traficantes”.
A afirmação feita ao juiz da 7ª Vara da Fazenda Pública, contudo, é diferente da divulgada publicamente por secretários da gestão Doria e pela assessoria do prefeito à imprensa. “Antes da ação, os agentes da Prefeitura agiam sob a ameaça de violência do tráfico. Agora, é possível abordar os usuários com mais liberdade e melhores condições técnicas”, afirmou a gestão em nota enviada à imprensa na quinta-feira.
A prefeitura também afirma que “este é um instrumento a ser utilizado em última instância e com total respeito aos direitos humanos”.
Monitoramento feito pela Guarda Civil Metropolitana (GCM) já identificou 25 pontos de concentração de usuários de drogas egressos da Cracolândia. A maior delas fica a pouco metros do antigo fluxo de viciados, na Praça Princesa Isabel, onde haviam cerca de 600 dependentes na madrugada desta sexta-feira.
Plano inclui hospital fechado
Duas das três clínicas indicadas pela Prefeitura à Justiça como aptas a receber dependentes internados compulsoriamente nem sequer oferecem o serviço de internação de usuários de drogas. Uma delas está fechada há pelo menos três meses. A outra só disponibiliza consultas e serviço de hospital-dia. As clínicas foram citadas no pedido enviado pela Procuradoria-Geral do Município à Justiça.
No pedido, a administração alega ter 270 vagas disponíveis para internação compulsória distribuídas em três hospitais: João de Deus, em Pirituba (zona norte); Cantareira, no Tucuruvi, também na zona norte; e Irmãs Hospitaleiras, no bairro Riviera Paulista (zona sul). Todos são privados e seriam conveniados à Prefeitura.
Somente o João de Deus, no entanto, está oferecendo atualmente internação de dependentes químicos. A unidade da zona sul do Irmãs Hospitaleiras, citada pela Prefeitura como conveniada, está fechada há pelo menos três meses, segundo um comunicado publicado no próprio site da instituição. Na fachada da unidade, duas placas foram afixadas indicando que o imóvel está disponível para locação.
Já o Hospital Cantareira está aberto, mas não conta com o serviço de internação. Na unidade, são oferecidas apenas consultas especializadas, atendimento ambulatorial e serviço de hospital-dia. As informações foram dadas por uma funcionária do local e estão detalhadas no site da instituição.
Procurada, a Secretaria Municipal da Saúde afirmou que as três unidades citadas no pedido da Procuradoria assinaram neste mês um termo aditivo para prestação de serviços médicos com a oferta de 270 leitos de internação.
A pasta destacou que o compromisso das clínicas em ofertar vagas foi firmado em contrato, mas não disse se vistoriou os locais antes da assinatura da parceria nem explicou por que incluiu em um documento à Justiça uma unidade fechada entre os hospitais aptos a oferecer vagas. Disse apenas que pacientes encaminhados pela Prefeitura já ocupam 26 vagas no Hospital João de Deus – o único com internação disponível segundo apuração da reportagem. A secretaria não detalhou a situação dos outros dois centros.
(com Estadão Conteúdo)