A Justiça Federal de Ponte Nova (MG) proferiu decisão nesta segunda-feira determinando a retomada da ação penal contra 22 pessoas, entre elas funcionários das mineradoras Vale, Samarco e BHP Billiton, acusadas de homicídio envolvendo o rompimento da barragem de Fundão, que soterrou o distrito de Bento Rodrigues, na região de Mariana (MG), e provocou 19 mortes. A lama de rejeitos atingiu 40 cidades em Minas Gerais e no Espírito Santo e contaminou a bacia hidrográfica do Rio Doce. A maior tragédia ambiental do país ocorreu em 5 de novembro de 2015.
Outra ação ainda cobra da mineradora e de suas duas controladoras 155 bilhões de reais para reparação ambiental e socioeconômica de atingidos.
O processo por homicídio estava paralisado desde julho, após a defesa de dois dos 21 réus alegarem supostas irregularidades em provas juntadas ao processo, que decorreriam, segundo eles, de excesso do período de monitoramento telefônico e de violação à privacidade dos réus.
Na decisão, o juiz federal Jacques de Queiroz Ferreira indeferiu o pedido de decretação de nulidade das provas resultantes das escutas telefônicas. “Havendo distintas companhias telefônicas, com regras próprias de atendimento das ordens judiciais, é intuitivo e normal que as interceptações possam se iniciar em dias diferentes, não havendo na Lei 9.296/1996 qualquer dispositivo que imponha nulidade nestes casos”, diz a decisão.
Em relação ao material produzido a partir de diálogos transcritos de chats e e-mails corporativos, contudo, o juiz considerou as provas inválidas e determinou que sejam excluídas do processo. O mandado judicial determinava que a Samarco entregasse à Polícia Federal cópias de mensagens corporativas trocadas entre diretores nos meses de outubro e novembro de 2015. A medida foi cumprida espontaneamente pela mineradora, que, para não ter de recortar e editar o material, disponibilizou inclusive dados relativos a períodos anteriores.
Para o magistrado, a empresa não poderia ter entregado o material voluntariamente, porque isso constitui invasão de privacidade dos funcionários.
Por outro lado, o juiz federal negou a tese da defesa de que a leitura indevida dos e-mails e chat teria contaminado as demais provas. Segundo a decisão, não há nas conversas transcritas na denúncia “qualquer menção às atas do Conselho de Administração, de forma que as demais provas citadas caracterizam-se como oriundas de fontes independentes”.
O MPF denunciou 21 pessoas por homicídio qualificado, com dolo eventual (quando se assume o risco de cometer o crime), pelas mortes ocorridas na tragédia. Entre os denunciados estão o presidente afastado da Samarco, Ricardo Vescovi de Aragão; o diretor de Operações e Infraestrutura, Kleber Luiz de Mendonça Terra; três gerentes operacionais da empresa; 11 integrantes do Conselho de Administração da Samarco e cinco representantes das empresas Vale e BHP Billiton.
Réus estrangeiros
Dois pedidos feitos pelo MPF foram acatados: o de desmembramento da denúncia em relação aos réus John Wilson, Antonino Ottaviano, Margaret McMahon Beck, Jeffery Mark Zweig e Marcus Philip Randolph, todos estrangeiros, e a oitiva antecipada de Joaquim Pimenta de Ávila, uma das principais testemunhas arroladas pelo Ministério Público Federal por ser o projetista original da Barragem do Fundão.
No caso dos réus estrangeiros, o fundamento se baseia no fato de que todos os cinco acusados residem no exterior. “No caso concreto, o pedido do MPF atinge réus que residem em três países distintos – Austrália, Canadá e EUA – sendo que o primeiro não firmou com o Brasil tratado de auxílio mútuo em matéria criminal, o que implica dizer que a cooperação se dará pela via diplomática, retardando ainda mais a conclusão do feito”, sustenta o magistrado.
Defesas
A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Vale mas ainda não obteve resposta. A Samarco informou que não vai se manifestar.