Ao declarar que irá privilegiar a nomeação de técnicos para o primeiro escalão, o governador eleito do Rio, Wilson Witzel (PSC), deixou muitos políticos preocupados. “Ele é personalista, está acostumado a ser juiz, a mandar. Agora, a história é outra, ele vai precisar ouvir os partidos”, diz um parlamentar que, em tese, integra a futura base governista. Um outro aliado cita uma frase que ouviu no filme Coração Valente para frisar que Witzel não poderá ignorar os parlamentares: “Não se governa sem os nobres”, adverte. Duro na retórica contra bandidos – fala até em mandar “abater” os fora da lei que portarem fuzis, algo não previsto pelo Código Penal -, o governador eleito corre o risco de ser alvo do fogo amigo.
Não vai ser fácil administrar o estado sem saciar o apetite da maior parte dos 70 deputados estaduais, eleitos por 28 partidos – 12 destes terão apenas um representante na Assembleia Legislativa (Alerj). A pulverização dificulta a possibilidade de acordos com bancadas e reforça o poder de cada deputado, o que obrigará o governador a negociar no varejo. Formada pelo PSC e pelo Pros, a coligação que sustentou a candidatura do futuro ocupante do Palácio Guanabara elegeu apenas três parlamentares. Um aliado natural é o PSL de Jair Bolsonaro, que conquistou 13 cadeiras e terá a maior representação na Alerj – assim, Witzel teria, de cara, o apoio de apenas 16 deputados, menos da metade do que precisa para ter maioria simples. A grande maioria dos futuros parlamentares integra partidos conservadores, a esquerda elegeu apenas 13 representantes, menos de 20% do total. A configuração deve facilitar a vida de Witzel, mas a prática mostra que questões ideológicas são menos relevantes que o velho toma lá, dá cá. Os últimos governadores não tiveram muitas dificuldades com a Alerj, mas a conquista da maioria foi azeitada, na maior parte das vezes, pela concessão de favores e cargos aos deputados.
Caberá também ao governador a tarefa de conseguir acordos com parlamentares que, como ele, são inexperientes na política – a renovação na Casa chegou a 50%. Eleito senador, o deputado estadual Flávio Bolsonaro tem exercido um papel fundamental nessa articulação. Com mais traquejo que os dois irmãos que também são políticos, ele foi decisivo para garantir a eleição de Witzel e, agora, trata de aproveitar o vácuo deixado pela derrota de Paes e pela prisão de outros ex-cardeais emedebistas, como Jorge Picciani. Primogênito do presidente eleito – e, por conta disso, chamado de “01” pelo pai -, Flávio tem participado de forma ativa do processo de escolha do futuro presidente da Alerj – ao que tudo indica, vai apoiar André Corrêa, do DEM, que esteve com Paes na eleição, mas que já tratou de mandar mensagens carinhosas para os futuros donos do poder estadual (deixou claro que vai retirar do Psol a Comissão de Direitos Humanos).
Como Picciani está em prisão domiciliar, a presidência da Alerj tem sido exercida por André Ceciliano, que quer ser titular do cargo na próxima legislatura – o problema é que ele é filiado ao PT, sigla que provoca arrepios na direita. “A eleição acabou, e tenho uma ótima relação com o Flávio”, desconversa o petista, que promete colaborar com o futuro governo na votação, ainda em 2018, de dois projetos fundamentais, a Lei Orçamentária de 2019 e a renovação do Fundo Estadual de Combate à Pobreza, uma mordida adicional no bolso do contribuinte que garante mais 5 bilhões de reais para um estado que terá no ano que vem um déficit estimado de 8 bilhões de reais.
O deputado Márcio Pacheco, do mesmo partido do governador eleito, corre por fora na briga pelo comando da Alerj e já declarou que não vai disputar se Corrêa mantiver sua candidatura. Assim como o futuro vice-governador, o vereador Cláudio Castro, Pacheco integra a Renovação Carismática, movimento conservador da Igreja Católica. Evangélicos também tiveram papel decisivo em 2018 – um político ligado a Paes ficou impressionado com a força desse eleitorado, principalmente na Baixada Fluminense. O presidente do PSC, partido de Witzel, é Everaldo Dias Pereira, pastor guiado pelo ecumenismo: em 2010, apoiou Dilma Rousseff (PT); em 2014, Aécio Neves (PSDB). No primeiro turno de 2018, seu partido fechou com Álvaro Dias (Podemos); no segundo, Everaldo ficou com Bolsonaro – no ano passado, o hoje presidente eleito foi batizado pelo pastor no Rio Jordão.
A bancada da bala também cresceu – 12 policiais, civis e militares, conquistaram cadeiras na Alerj. A fé nas palavras da Bíblia e no poder das armas não será, porém, suficiente para salvar um estado quebrado, que só consegue pagar salários graças ao acordo que lhe permitiu ficar três anos sem pagar dívidas com o governo federal. O futuro governador foi condenado pela Justiça por não quitar empréstimo contraído com a então sogra, figurou como réu num processo por falta de recolhimento de imposto de renda e teve a casa penhorada por deixar deixado em aberto, ao longo de seis anos, a maioria das parcelas do IPTU. Agora, vai precisar mostrar que aprendeu a lidar com as contas e, ao mesmo tempo, tratar bem os aliados.