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Esforço de guerra: a saga para vacinar indígenas em locais remotos do país

Ação contra a Covid-19 em aldeias mobiliza aeronaves, lanchas e outros veículos militares, além de 14.000 agentes de saúde; 72% já tomaram a primeira dose

Por Juliana Castro, em São Gabriel da Cachoeira (AM)
Atualizado em 30 mar 2021, 12h07 - Publicado em 30 mar 2021, 11h50
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  • A tribo indígena de Santo Atanásio está encravada na selva amazônica, na fronteira com a Colômbia. Encontra-se longe de tudo e de todos. A comunidade, com 256 pessoas, fica na localidade de Yauaretê, em São Gabriel da Cachoeira, o município mais indígena do Brasil. Lá, nove entre dez moradores pertencem a alguma etnia. De tão grande, seu território é maior do que os do Rio de Janeiro, Distrito Federal, Alagoas e Sergipe juntos e do que os de outros 90 países. As longas distâncias amazônicas não impedem os índios de navegarem por três dias e três noites rio adentro para chegar à cidade. Lá, sacam aposentadorias e o Bolsa Família e voltam com o barco cheio de suprimentos. Foi em uma dessas idas e vindas que uma parte dos índios soube o que era novo coronavírus. “Vi as bolinhas na TV”, diz Casemiro Seabra, 37 anos, referindo-se à forma do vírus que, vez ou outra, é reproduzida em reportagens. As “bolinhas” pegaram um deles em uma das viagens, e a Covid-19 chegou à tribo. Agora, a vacina contra a doença também.

    Vacinação contra a Covid-19 em tribos indígenas na Amazônia -
    “Eu vi as bolinhas na TV”, disse Casemiro Seabra Penha, de 37 anos, referindo-se à forma do vírus que, vez ou outra, é reproduzida em reportagens – (André Oliveira,/Ministério da Defesa/.)

    Mas não foi fácil. Num município com tal dimensão, em meio à maior floresta tropical do mundo e distante mais de 850 quilômetros em linha reta de Manaus, é uma missão árdua fazer os imunizantes chegarem ao destino. Para se ter uma ideia da dificuldade que é acessar lugares remotos em um país continental como o Brasil, as Forças Armadas já tiveram que dar apoio à vacinação a mais de 157 mil indígenas em 221 comunidades. A Força Aérea Brasileira (FAB) montou quatro postos de abastecimento avançados para apoio das aeronaves — ao menos quatro aviões e seis helicópteros estão sendo usados nas operações de apoio à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde. A Marinha também disponibilizou dois navios de assistência hospitalar, além de embarcações menores, enquanto o Exército disponibiliza vários veículos de acordo com a necessidade. “São áreas de difícil acesso onde a Sesai levaria de 15 a 20 dias para chegar a determinados pontos. Quando chegasse e desse a primeira dose, não seria possível voltar para dar a segunda dentro do prazo”, explica o general Marco Antônio Martin, assessor especial no Ministério da Defesa.

    VEJA acompanhou, a convite da Pasta, a saga para fazer chegar as doses a duas aldeias indígenas de São Gabriel da Cachoeira. Dez profissionais de saúde embarcaram no pelotão de fronteira em um helicóptero do Exército com os frascos da CoronaVac em caixas térmicas. Em alguns lugares remotos, são usados vários modais para chegar ao destino: caminhonetes em estradas enlameadas, aviões monomotores e helicópteros que dependem do clima da região para voar, barcos grandes para longas distâncias e embarcações pequenas para entradas em igarapés (algumas chamadas de “ambulanchas”). Em áreas do Acre, por exemplo, uma equipe demora até nove dias para chegar à última aldeia. O périplo é fundamental para estancar o contágio nas aldeias, que já registraram 45.705 casos de Covid-19 e 623 óbitos. “Como a doença está circulando nas comunidades, nossos médicos trouxeram a vacina para que nosso povo não desapareça”, diz Jovino Pinoá, de 53 anos, da aldeia Taracuá-Igarapé, onde vivem 230 pessoas.

    A vacinação de aldeados faz parte da primeira fase do Plano Nacional de Imunização. Nesse grupo, doenças infecciosas tendem a se espalhar de forma rápida. A imunização começou em 19 de janeiro em uma tribo de Tabatinga, a mais de 1 000 quilômetros de Manaus, onde, em abril de 2020, foi registrado o primeiro caso de Covid-19 em área indígena. O Brasil tem cerca de 755 mil índios cadastrados, e a previsão é imunizar os quase 410 mil que são maiores de 18 anos. Desse total, 72% já tomaram a primeira dose e 53%, as duas. As 907.200 doses reservadas para eles fazem parte do primeiro lote de 6 milhões da CoronaVac. Ao todo, 14 mil profissionais de saúde atuam no atendimento a essa população.

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    Agentes de saúde levam vacina contra a Covid-19 a comunidade quilombola na fronteira do Pará com o Amazonas
    Agentes de saúde levam vacina contra a Covid-19 a comunidade quilombola na fronteira do Pará com o Amazonas (Tarso Sarraf/AFP)

    Mas engana-se quem pensa que o esquema das Forças Armadas para chegar a lugares remotos se restringe aos estados amazônicos. Esse tipo de operação precisa ser colocado em prática também para levar a vacina a locais como Tocantins, Mato Grosso e parte do Nordeste. No Maranhão, há cidades que ficam a 19 horas de São Luís, onde chegam as doses. Os frascos poderiam ser enviados nos três caminhões refrigerados, numa rota que leva dez dias. “O esquema com dois helicópteros e um avião é para dar uma celeridade. Assim, consigo fazer as doses chegarem a todos os municípios em até 72 horas”, explica Tayara Pereira, superintendente de Epidemiologia e Controle de Doenças no Maranhão. Em Roraima, um caminhão refrigerado leva uma semana para deixar as vacinas do calendário regulamentar em 15 municípios — com duas aeronaves, os frascos da CoronaVac e Astrazeneca chegam em poucas horas. No Pará, a distribuição envolve quatro helicópteros, quatro aviões, duas embarcações e 50 agentes.

    O esforço tem feito da vacinação um exemplo de sucesso na questão da proteção dos indígenas em meio à pandemia. No último dia 16 de março, ao homologar parcialmente o Plano Geral de Enfrentamento à Covid-19 para Povos Indígenas, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, criticou o governo federal pela “profunda desarticulação” envolvendo os órgãos federais e deu um prazo para que fossem apresentadas soluções para outras questões como acesso à água potável e saneamento e distribuição de cestas. Barroso acolheu pedido para que fosse assegurada prioridade na vacinação dos povos indígenas de terras não homologadas e urbanos sem acesso ao SUS, em condições de igualdade com os demais povos indígenas, e não apenas dos índios aldeados. Em meio a uma campanha nacional de imunização que começou tardiamente e com atraso na chegada das vacinas – e que até agora atingiu menos de 8% da população –, a forma como a imunização chegou aos indígenas é um exemplo positivo em meio ao caos no país.

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