Em dezembro de 2020, o delegado Alexandre Saraiva, então superintendente da PF no Amazonas, comandou o trabalho que resultou na apreensão de 43 000 toras, a maior da história do país. Quatro meses depois, após o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, ter defendido os madeireiros e criticado a ação policial, Saraiva foi exonerado do cargo e transferido para Volta Redonda (RJ). Outro delegado, Franco Perazzoni, chefiou em maio de 2021 a Operação Akuanduba, que fez busca e apreensão contra Salles e o seu ministério dentro de investigação sobre um esquema ilegal de extração de madeira na Amazônia. O episódio levaria à queda do ministro, mas Perazzoni também perdeu o cargo de chefe da Delegacia de Repressão a Corrupção e Crimes Financeiros da PF no Distrito Federal.
Os dois delegados são parte de uma geração que abraçou a investigação ambiental na PF, começando pelo cerco à biopirataria (um dos casos exemplares da equipe especializada envolveu o roubo de aranhas venenosas que eram comercializadas na Suíça). Com o passar do tempo, os alvos mais graúdos tornaram-se garimpeiros e madeireiros. A evolução do trabalho sofreu um revés durante o governo de Jair Bolsonaro, como mostram os casos dos delegados Saraiva e Perazzoni, com consequências cada vez mais desastrosas para biomas como a Amazônia, conforme conta o delegado aposentado Jorge Pontes, colunista do site de VEJA, no livro Guerreiros da Natureza, que será lançado no próximo mês. No prefácio da obra, o jornalista Fernando Gabeira destaca a história do despertar da consciência ambiental na PF e do esforço para construir uma estrutura de combate à destruição da natureza. O autor Pontes fala com conhecimento de causa, pois coube a ele a tarefa de criar na PF a Divisão de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico (DMAPH). Apesar do atual ambiente político ruim para a missão do departamento, Pontes não perdeu a esperança por dias melhores. “Mesmo que a PF esteja sendo sufocada neste governo, o esforço na criação da DMAPH fez algo bem mais importante do que inaugurar salas e prédios: criou uma cultura de autonomia, uma consciência ambiental para uma geração de delegados”, afirma.
Até a criação da DMAPH, em 2001, a atuação da PF em casos do tipo era mínima, na maioria das vezes a reboque do Ibama. Nas décadas seguintes houve um lento e constante processo de aprendizado, que o autor descreve em minúcias. Essa área cresceu, passou a colaborar com agências internacionais e se tornou referência dentro da corporação. De lá para cá, a dinâmica do crime ambiental ficou ainda mais complexa, com técnicas sofisticadas para ocultar infrações e ligação cada vez maior com redes de narcotraficantes, tudo embaralhado à deterioração econômico-social da região. Quando o então ministro Ricardo Salles e o Ministério do Meio Ambiente foram alvos de busca e apreensão pela PF em maio de 2021, já nas últimas semanas de sua gestão, Pontes teve a certeza de que o trabalho dos delegados especializados na repressão de crimes contra o meio ambiente finalmente fechava o cerco a um membro do primeiro escalão do governo. Mas as forças econômicas e políticas que agem a favor da ilegalidade mostraram depois que, a despeito dos avanços, a missão está longe de terminar.
Publicado em VEJA de 27 de julho de 2022, edição nº 2799