“Preciso de paz”, diz Eduardo Suplicy sobre Parkinson e Cannabis
Aos 82 anos, o deputado estadual fala do uso de maconha medicinal para frear os sintomas da doença
Suspeitei pela primeira vez que poderia estar sofrendo de doença de Parkinson no fim de 2022. Quando caminhava, às vezes me desequilibrava do nada, e um tremor já atrapalhava o movimento das minhas mãos. Sentia também uma desconfortável dor muscular na perna esquerda. Esses sinais, claro, me assustaram, e fui a meu médico de confiança. Aí ouvi o diagnóstico: era mesmo Parkinson, ainda em estágio leve. Fiquei preocupado, abalado, e procurei um psicólogo para lidar com a ideia, que não é simples. O maior apoio tem vindo da minha família — os sete netos e os três filhos —, que me transmitem força e segurança. Foi num almoço de domingo com eles, não faz muito tempo, que decidi trazer o caso a público. Acho que dar visibilidade ao que passo hoje pode ajudar outras pessoas na mesma situação. Faço absolutamente tudo o que posso para frear os sintomas.
Iniciei o tratamento convencional em fevereiro, com remédios conhecidos. Mas comecei a pesquisar cada vez mais e, ao escutar o depoimento de pessoas que foram beneficiadas por medicamentos à base de Cannabis, decidi experimentar, sem abandonar a via tradicional. Na adolescência, nunca fumei muita maconha, nem tabaco. Era esportista — jogava futebol, vôlei, basquete, tênis e pratiquei boxe dos 15 aos 21 anos. Cuidava da saúde. Quem me deu o impulso decisivo para buscar o tratamento alternativo foi um grande amigo, envolvido em projetos para que a Cannabis medicinal possa ser utilizada no Brasil para certos tipos de doença, como autismo, Alzheimer e outras. Ele que me levou a conhecer a primeira mãe de São Paulo a conseguir autorização na Justiça para plantar Cannabis em casa. Tudo para tentar dar uma vida melhor à filha, de 20 anos, que teve mais de 600 convulsões até os 9. Aos 10, iniciou o tratamento e começou então a falar, brincar e andar. Visitei também uma associação terapêutica em Franca, onde as mães falavam com emoção dos benefícios desse tipo de tratamento para os filhos.
Conversei bastante com meus médicos antes de decidir seguir esta trilha, e eles não foram contra. Tomo cinco gotas de óleo de Cannabis no café da manhã, mais cinco no almoço e outras oito no jantar. Acho importante que todos possam ter acesso a esses medicamentos, inclusive pelo SUS, já que a versão industrializada é bem cara — uns 1 200 reais o frasco. Produto similar, é verdade, se produz em cooperativas no Brasil, e custa 180 reais. Acabei me envolvendo tanto com o assunto que virou uma causa. E assim resolvi marcar uma reunião com a Anvisa. Acredito que a agência esteja sensível à questão. Sou um paciente disciplinado. Tenho acompanhamento com uma neurologista e sigo as orientações à risca. Faço aulas de ginástica com uma personal trainer três vezes por semana para me manter sempre ativo. Estou me sentindo bem melhor. A dor na perna sumiu e caminho com mais firmeza. Se seguro um copo, o tremor nas mãos ainda está lá, mas mais suave. Executo bem as tarefas do dia a dia e continuo trabalhando intensamente.
Outro dia, viajei à Coreia do Sul. Não é um traslado fácil — são dois dias de ida, mais dois na volta, entre aeroporto e avião. Fui ao Congresso Internacional da Renda Básica e aproveitei para visitar túneis subterrâneos da época da guerra civil com 1 quilômetro de extensão. Era um percurso íngreme, tinha de subir e descer uma ribanceira, e precisava estar em bom estado físico. Dois dias depois de voltar, já estava em Brasília. É isso o que me move. Tenho pedido a Deus e aos orixás que eu possa ter a boa saúde pelo tempo necessário para ver a renda mínima algum dia implantada no país. Agora, acrescentei a defesa da Cannabis medicinal ao meu rol de bandeiras. O número de convites para palestras só aumenta — três ou quatro por semana. Falei por uma hora e meia numa faculdade, fui aplaudidíssimo e me pediram até para cantar. Escolhi Blowin’ in the Wind, do Bob Dylan, que me traz paz. É disso que eu preciso.
Eduardo Suplicy em depoimento dado a Lucas Mathias
Publicado em VEJA de 29 de setembro de 2023, edição nº 2861