Os protestos antirracismo iniciados nos Estados Unidos após a morte de George Floyd por um policial colocaram o mundo em polvorosa no final de maio. Além dos protestos em solo americano, cidadãos de diversas nações intensificaram a discussão acerca do racismo e resolveram pôr as mãos na massa – literalmente.
No último dia 7, em Bristol, Inglaterra, uma multidão enfurecida derrubou de seu pedestal a estátua do traficante de escravos Edward Colston e a jogou no rio da cidade. O ato foi um protesto contra a reverência a personalidades históricas cuja conduta é atualmente considerada condenável.
Na Bélgica, os moradores da cidade de Antuérpia agiram de forma parecida. Na semana passada, os belgas vandalizaram e removeram a estátua do rei Leopoldo II, lembrado sobretudo por ter colonizado o Congo Belga. Ele é acusado de ter exterminado milhões de congoleses nativos.
O Brasil não ficou para trás na discussão – e nem poderia, diante do fato de ter sido o país das Américas que mais recebeu escravos entre os séculos XVI e XIX. Aqui, estátuas de personalidades históricas que atualmente seriam julgadas pelos mais diversos crimes habitam cidades de todos os tamanhos.
Uma das mais conhecidas e criticadas é a do bandeirante Manuel de Borba Gato, localizada na capital paulista. O bandeirante era conhecido por escravizar e caçar indígenas, o que gera discussões sobre o simbolismo de se manter uma estátua em sua homenagem na maior cidade do país.
A derrubada de monumentos divide opiniões. O escritor Laurentino Gomes, conhecido pela trilogia “1808”, “1822” e “1889”, acredita que eles devem ser mantidos.
“Vejo nas redes sociais um movimento pela derrubada da estátua do bandeirante Borba Gato situada no bairro de Santo Amaro, em SP. Sou contra. Estátuas, prédios, palácios e outros monumentos são parte do patrimônio histórico. Devem ser preservados como objetos de estudo e reflexão”, publicou em sua conta no Twitter.
A historiadora da USP Maria Helena Machado, especialista no papel social da escravidão, alerta para a dinamicidade das narrativas históricas. “A história é dinâmica, nesse sentido sua narrativa é mutável, embora os dados que a compõem não possam ser mudados ao bel prazer daquele que a estuda”, contou a VEJA.
Além disso, Maria Helena aponta que o próprio ato de se destruir uma estátua, em vez de demolição, pode representar o surgimento de mais um pedaço de história. “Derrubar qualquer símbolo da escravidão de africanos, indígenas ou de qualquer outro grupo, não é, de forma alguma, destruir a história. Esta continuará a ser narrada a partir das pesquisas sérias que centenas de estudiosos especializados realizam dia após dia. Derrubar coletivamente a estátua é também um ato que se inscreve na história, sobretudo pelo seu caráter público e televisionado”, concluiu.