Datas: Nora Morales de Cortiñas, Yael Dayan, Marian Robinson e Amaral
As despedidas que marcaram a semana
O corpo miúdo abrigava uma coragem comovente. A argentina Nora Morales de Cortiñas passou metade de sua vida em busca do corpo e da memória de seu filho, Carlos Gustavo, sequestrado e morto pela ditadura militar em abril de 1977. Ele era ativista da Juventude Peronista e trabalhava no Ministério da Economia — um dia, saiu para trabalhar e nunca mais voltou, como aconteceria com 30 000 pessoas durante o tempo dos generais na Casa Rosada. Ao lado de outras companheiras desesperadas, prenhes de anseio por justiça, ela montou o grupo Madres de Plaza de Mayo, cujo símbolo maior eram as passeatas, às quintas-feiras, em forma de círculo, incansáveis, em frente à sede do governo, em Buenos Aires.
Juntas, elas criaram uma força afeita a incomodar os poderosos, na defesa dos direitos humanos e pela condenação dos carrascos — embora nunca tenham descoberto o destino real dos filhos. Cortiñas morreu em 30 de maio, aos 94 anos, sem conhecer o paradeiro de Carlos Gustavo. Em março, apareceu publicamente pela última vez, em uma manifestação contra o negacionismo político do presidente Javier Milei. A um grupo de jovens, disse: “Dentro de muitos anos gostaria de ser lembrada com um sorriso e com o grito que sinto dentro de mim: venceremos!”.
Prosa guerreira
Nunca foi rotineiro ser filha de Moshe Dayan, ministro da Defesa israelense durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967 — membro do Partido Trabalhista que mais tarde, em aliança com os conservadores do Likud, desempenharia papel relevante nos acordos de paz entre Egito e Israel. Yael Dayan fazia política de outro modo. Como parlamentar, sim, mas sobretudo por meio de seus livros, em apoio à solução de dois Estados e dos direitos da comunidade LGBTQIA+. A prosa de livros celebrados como Nova Face do Espelho e Diário de Um Soldado chegou a ser comparada, nos Estados Unidos, à clareza dos textos sem adjetivos de Ernest Hemingway. Yael morreu em 18 de maio, aos 85 anos.
A “primeira-avó” da Casa Branca
Quando a filha Michelle e o genro Barack Obama entraram na Casa Branca, em 2009, ela como primeira-dama, ele como presidente, Marian Robinson foi junto. Ajudaria a cuidar das filhas do casal, “pilar de apoio para a família”. Marian nunca apreciou a pompa em Washington. “Apenas me mostre como funciona a máquina de lavar”, chegou a dizer. Em vez de estar próximo de chefes de Estado, escondia-se no andar de cima com as netas. Pediu apenas para conhecer o papa. Ela morreu em 31 de maio, aos 86 anos.
Tranquilidade na zaga
O quarto-zagueiro Amaral tinha uma calma inigualável. Revelado pelo Guarani de Campinas, teve destaque também no Corinthians. Pela seleção brasileira fez quarenta partidas. Um lance o tornou conhecido: na Copa de 1978, na Argentina, ele salvou em cima da linha um gol da Espanha. O empate em 0 a 0 encaminhou a canarinho para a fase final. O time de Cláudio Coutinho — o “campeão moral” — terminaria na terceira posição, atrás de Argentina e Holanda. Amaral morreu em 31 de maio, aos 69 anos, de câncer.
Publicado em VEJA de 7 de junho de 2024, edição nº 2896