O programa Fantástico, da Rede Globo, exibiu neste domingo conversa com a família de Marielle Franco, vereadora assassinada no Rio de Janeiro, no último dia 14 de março. A reportagem especial desta edição traz o desabafo da esposa de Marielle, Monica Tereza Benício, da filha de 19 anos, Luyara Santos, da irmã e dos pais da vereadora, além da assessora, que estava no carro no momento em que Marielle foi morta.
Monica é arquiteta e vivia com Marielle há um ano. Juntas, as duas lutavam pela causa LGBT e, em suas postagens no Instagram, usavam a hashtag #NossasFamíliasExistem, em referência ao Estatuto da Família, que define como família somente a união entre homem e mulher. Essa foi a primeira entrevista da esposa depois do assassinato, e ela desabafa: “Eu ainda não consigo acreditar que ela não vai voltar pra casa”.
Em sua última foto ao lado de Monica postada no Instagram, Marielle escreveu: “Parabéns pra essa cidade do coração, que, infelizmente, tem sido tão maltratada historicamente, inclusive nos últimos anos. E que quanto mais parece estar abandonada, mais fica hostil às mulheres e à população negra. Que nos próximos aniversários comemoremos como realmente gostaríamos: com um Rio para todas e todos!”.
Monica contou durante a reportagem que Marielle enviou uma mensagem quando já estava a caminho de casa, pouco antes de ser assassinada, perguntando se ela precisava de algo. A companheira da vereadora diz que, com a demora de Marielle em chegar, tentou ligar mais de vinte vezes, sem sucesso, e começou a ficar desesperada. Foi quando recebeu a chamada de uma amiga que estava em frente da casa que dividia com Marielle, pedindo que abrisse a porta.
Ao ver a cara da amiga começou a indagar: “Aconteceu alguma coisa com Marielle?”. Monica conta, chorando, que a amiga disse: “Você precisa ser forte, a Marielle morreu”.
Perguntada se Marielle havia recebido alguma ameaça, a companheira da vereadora foi taxativa: “Ela tava feliz, despreocupada. Íamos casar no ano que vem. […]”. Diz Monica sobre a vida em conjunto com a política: “Fomos construindo tudo aos poucos […], tudo com muito amor”.
Fake news
Durante a reportagem veiculada pelo Fantástico, a propagação das notícias falsas, as fake news, a respeito de Marielle também foi discutida. Uma das principais propagadoras de notícias falsas foi Marília Castro Neves, do TJ-RJ, que afirmou em comentário no Facebook que a vereadora morta “foi eleita pelo Comando Vermelho”. O PSOL, partido de Marielle, afirma que entrará com ação contra a desembargadora.
As mentiras difundidas por Marília, dentre tantas outras — como o boato afirmando que a vereadora assassinada teria sido casada com o traficante Marcinho VP no passado —, serviram de base para que muitas pessoas comemorassem nas redes a morte de Marielle. “É inadmissível uma pessoa comemorar a morte de outra pessoa”, disse Anielle Franco, irmã da vereadora morta, em tom de revolta.
“Quase ninguém no Brasil pode falar da minha filha”, complementou o pai de Marielle.
Desmaiados
Em áudio exibido durante o programa, a assessora de Marielle é ouvida entre soluços, após o assassinato, em uma mensagem de voz enviada a seu marido, dizendo que estava bem, mas pedindo que o marido rezasse, pois Marielle e Anderson Gomes, o motorista da vereadora, estavam desmaiados: “Olha só, o carro em que eu estava com a Marielle, que eu estou, levou uma porção de tiros. A Marielle foi atingida, eu estou nervosa, mas eu estou bem. Foram vários tiros. […] Eu não sei o que é que eu faço. Eu estou bem, está tudo bem comigo. Mas a Marielle está desmaiada. O Anderson também. […] Reza por mim, amor. Reza pela Marielle. Reza pelo Anderson”.
Questionada sobre quando foi que percebeu que Marielle e Anderson não estavam desmaiados mas sim mortos, a assessora respondeu que escutou policiais dizendo que haviam “dois mortos e uma sobrevivente”.
“A coisa do sobrevivente me marcou muito. Porque eu queria a Marielle viva, eu queria o Anderson vivo. Porque sobreviver é uma coisa muito cruel”, diz a assessora antes de encerrar sua entrevista com uma indagação: “Por que eu preciso sobreviver? Que coisa horrenda é essa, que violência é essa?”.
Anderson Gomes
A viúva do motorista do carro em que Marielle estava e que morreu vítima dos tiros também falou sobre seu luto. Ágatha Arnaus Reis, esposa de Anderson Pedro Gomes, afirmou: “A nossa rocha de casa era ele”. Anderson deixou um filho de apenas 1 ano.
“Meu marido era uma pessoa sempre calma […] e querido por todos”, disse a viúva. “Se a morte [de Anderson] mudar qualquer coisa […] isso é esperança, não é possível que a gente vá ficar abandonado por tanto tempo”.
Marielle foi assassinada na última quarta-feira vítima do que a polícia suspeita ter sido uma emboscada. Ela levou quatro tiros na cabeça depois que um carro cercou o veículo em que ela estava e alguém disparou. Os tiros acertaram a vereadora e o motorista. A assessora que estava no veículo ficou ferida por estilhaços.
As investigações da polícia trabalham com a suspeita de execução. Marielle era ativista pelos direitos humanos, pela causa LGBT, do negros e das mulheres. Havia sido designada para monitorar a intervenção federal no Rio de Janeiro, ação à qual ela se colocava contra, há duas semanas e para a relatoria de uma comissão na Câmara municipal. Nos dias 10 e 11 de março, a vereadora havia criticado em seu Facebook a ação dos militares no Rio. Em sua última postagem afirmou: ‘Mais um homicídio de um jovem que pode estar entrando para a conta da PM. Matheus Melo estava saindo da igreja. Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”.