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CNJ proíbe cartórios de registrar relações poliafetivas como união estável

Relator afirmou não haver amparo na legislação: 'Se pessoas querem viver em relação de poliamor, que vivam. Escritura declara a vontade jurídica das coisas'

Por Estadão Conteúdo Atualizado em 26 jun 2018, 19h37 - Publicado em 26 jun 2018, 18h57
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  • O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu nesta terça-feira 26, por maioria, que os cartórios brasileiros não podem registrar como união estável as relações poliafetivas, entre três ou mais pessoas.

    O pedido de providências foi proposto em 2016 pela Associação de Direito de Família e das Sucessões (Adfas), que solicitou, em liminar, a proibição do reconhecimento do poliamor por dois cartórios em São Vicente (SP) e em Tupã (SP), que teriam lavrado escrituras de uniões estáveis poliafetivas.

    Sete conselheiros acompanharam o voto do relator João Otávio de Noronha, corregedor nacional de Justiça, pela procedência da representação. Outros quatro acompanharam a divergência aberta pelo conselheiro Aloysio Corrêa, que entende ser possível lavrar escrituras públicas em que se registre a convivência de três ou mais pessoas por coabitação. Contudo, de acordo com o seu voto, não se podem equiparar essas escrituras à união estável e à família.

    O conselheiro Luciano Frota foi o único a votar pela improcedência absoluta do pedido, sendo totalmente favorável à união poliafetiva, inclusive, considerando-a união estável.

    Ao proferir o resultado, a presidente do CNJ, ministra Cármen Lúcia, destacou que não é atribuição do conselho autorizar ou proibir a união poliafetiva, mas julgar se cartórios podem adotar registros de relação entre três ou mais pessoas. “Aqui nós não estamos tratando da relação entre as pessoas, mas do poder de um cartório de receber a escritura.”

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    Em seu voto contra a possibilidade de cartórios brasileiros registrarem como união estável as relações poliafetivas, o relator afirmou não haver amparo na legislação. “Não quero ser tomado por um moralista, não estou julgando pelo meu pensamento, mas com a consciência jurídica formada no substrato social que impera neste país. E nosso substrato social ainda não deu essa abertura para admissibilidade do poliamor. E nem sei se dará”, disse.

    “Se pessoas querem viver em relação de poliamor, que vivam. Escritura declara a vontade jurídica das coisas. Não estamos discutindo se pode ou não pode, mas a possibilidade de normatizar atos cartorários”, concluiu.

    Na última sessão, no fim de maio, antes de a sessão ser interrompida pela segunda vez por um pedido de vista, o conselheiro Aloysio Corrêa, ministro do Tribunal Superior do Trabalho, defendeu a tese de que todos os cidadãos têm liberdade de escolher seu par, independente para construir sua família. “Ainda que não seja possível reconhecer união poliafetiva como união estável nem equipará-las à família, não se pode negar direito à escritura pública.”

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    “O que tratamos não é união estável, não se equipara à família. Mas pessoas que convivem podem chegar e registrar em escritura pública uma convivência, pode ser amorosa ou não. Há irmandades que se unem como fato social por convivência poliafetiva”, afirmou.

    Corrêa julgou o pedido procedente em parte, afastando a proibição de escritura da união poliafetiva, limitando-a ao reconhecimento da sociedade de fato. Assim, de acordo com seu voto, é proibida a equiparação do poliamor à união estável para efeito de constituição da família, inclusive para efeitos patrimoniais.

    Em seu voto, o conselheiro Luciano Frota defendeu as relações poliafetivas. “O direito deve acompanhar a dinâmica de mudanças sociais sob pena de não cumprir papel de pacificador das relações. Nosso direito é baseado em princípios e possibilita atualização do conteúdo pela releitura de seus institutos”, afirmou.

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    De acordo com ele, “proibir o poliamor com base em conceito vetusto de família seria perpetuar a situação de exclusão e negação de cidadania que não se coaduna com valores democracia”. Em sua arguição, o conselheiro Marcio Schiefler afirmou que o tema “tem de ser discutido no Legislativo, não no CNJ”.

    Opinião de advogados

    Hannetie Sato, especialista em direito de família do Peixoto & Cury Advogados, afirma que as uniões poliafetivas hoje são fatos sociais que estão batendo às portas do Poder Judiciário para que sejam reconhecidas como fato político. Para Hannetie, reconhecer essa forma de união é reconhecer o direito de diversos brasileiros que vivem sob essa forma de composição familiar.

    “O Brasil é um Estado laico, determinado na própria Constituição Federal, mas estamos vivendo um momento de forte pressão conservadora, muitas vezes por razões religiosas. Essa onda conservadora é um fato e que reflete tanto nas novas leis como também nas decisões do Poder Judiciário”, avalia. Para Hannetie, não foi dessa vez que o Estado brasileiro reconheceu essas novas formas de constituição familiar, “mas com certeza essas pessoas continuarão recorrendo ao Poder Judiciário para a elucidação dos conflitos familiares que venham a existir”.

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    Lucas Marshall Santos Amaral, advogado do Departamento de Direito de Família do Braga Nascimento e Zilio Advogados, lembra que as relações de poliamor crescem cada dia mais. “Concordando ou não, numa democracia, o ideal é o Estado apenas regular as relações sociais existentes, especialmente no âmbito familiar. E, nesse caso, mais ainda, em razão da liberdade do planejamento familiar e por se tratar de relações íntimas de afeto”.

    Segundo ele, mesmo que ainda não haja disposição legal permitindo o poliamor, ele é uma realidade. “Contudo, ao mesmo tempo, do ponto de vista jurídico, tem fundamento a decisão do CNJ. Realmente, o direito ainda não dispõe de normas que aceitem essa situação, embora seja uma realidade”, analisa.

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