Antes mesmo de tomar posse, Lula sinalizou que a política ambiental seria uma das prioridades do seu governo e a principal aposta para melhorar a imagem do Brasil no exterior. A ideia era promissora, mas não tão simples, já que o petista herdaria graves problemas deixados pelo seu antecessor. Jair Bolsonaro flexibilizou medidas de preservação, fez vistas grossas para o garimpo ilegal e desmontou políticas públicas importantes. De modo a reforçar sua intenção de dar uma formidável guinada nessa área, Lula anunciou Marina Silva como ministra do Meio Ambiente. Passados menos de dois anos do mandato, no entanto, há um inegável clima de decepção. A área que era para ser uma vitrine da nova gestão acumula encrencas e recebe críticas de todos os lados, inclusive de algumas alas do governo e de simpatizantes do PT. “Lula não consegue fazer mais porque a popularidade não é das melhores, ele não tem apoio no Congresso e considera a pauta econômica mais importante”, afirma o deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ), ministro do Meio Ambiente no segundo mandato do petista.
Chegou-se ao ponto em que — ironia das ironias — até a tropa de choque de políticos bolsonaristas ocupa as redes cobrando providências e promessas não cumpridas. A crise mais recente, a do Pantanal, que já teve mais de 700 000 hectares atingidos por incêndios desde o início do ano (o pior semestre em mais de duas décadas), fez arder de vez a fogueira das críticas. “A destruição do Pantanal tem a digital do governo petista”, postou em suas redes o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). “Cadê Lula, que ia salvar o meio ambiente? Cadê Marina, os artistas e lacradores que atacaram Bolsonaro tão injustamente?”, questionou, de forma habitualmente distorcida, a deputada Carla Zambelli (PL-SP). Entre a população, o sentimento é de que há muito discurso e pouca ação nessa área. Pesquisa Datafolha divulgada na última terça, 2, mostrou que 41% dos brasileiros acreditam que o Executivo não está fazendo nada para lidar com os impactos das mudanças do clima e 34% acreditam que faz menos do que deveria.
É um grande desafio reverter essa percepção quando há números muito desfavoráveis. Segundo levantamento do MapBiomas, referência no monitoramento ambiental, dos seis principais biomas do país, três apresentaram aumento do desmatamento durante a atual gestão (incluindo-se aí o Pantanal). Uma das situações mais problemáticas da atualidade é a do Cerrado. No ano de estreia do novo governo, o ritmo do desmatamento no bioma ultrapassou o da Amazônia pela primeira vez, totalizando mais de 1 milhão de hectares e aumento de 67,7% em relação a 2022. Além disso, enfrenta a pior seca em 700 anos, como mostrou um estudo da USP. Dados do Inpe apontam tendência de queda do desmatamento em 2024, com redução de 15% nos alertas no primeiro semestre. Os números, no entanto, ainda preocupam.
Para piorar, servidores ambientais do Ibama, ICMBio, Serviço Florestal Brasileiro e Ministério do Meio Ambiente entraram em greve no começo deste mês por melhores salários e condições de trabalho. Já são mais de seis meses de negociação, com parte das atividades suspensa, inclusive ações em territórios indígenas e outras áreas sensíveis. “O movimento começou com força e já afeta vários setores estratégicos”, afirma o presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. “Obviamente, a gente está bastante ansioso, com muita esperança de que saia um acordo nos próximos dias.”
Outro ponto que gera desgaste para o atual governo é o comportamento dúbio adotado em relação à transição energética. Enquanto Marina Silva e o Ibama criticam a política de exploração de petróleo, a Petrobras tenta obter autorização para explorar a Margem Equatorial, que se estende do litoral do Rio Grande do Norte ao Amapá. O principal alvo de polêmica é o bloco 59, que fica na bacia da foz do Amazonas, uma área bastante sensível. O Ibama negou em maio de 2023 a licença para pesquisas destinadas a verificar a viabilidade dessa operação. A Petrobras recorreu e o caso ainda não teve um desfecho. Nesse meio-tempo, aumentaram as pressões sobre o órgão ambiental para liberar o trabalho. O próprio presidente encontra-se nessa linha de frente. “Enquanto a transição energética não resolve o nosso problema, o Brasil tem que ganhar dinheiro com esse petróleo”, disse Lula no mês passado. O caso despertou críticas de ambientalistas e deixou Marina isolada no governo. “É contraditório querer ser uma liderança ambiental no mundo e intensificar a produção de petróleo. Não combina”, opina Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
De forma a reagir em meio a tantas críticas, o governo tem tentado demonstrar que, a despeito das dificuldades e do passivo ambiental encontrado, está atuando numa direção correta e efetiva. No caso do Pantanal, cerca de 85% dos focos de incêndio estão localizados em áreas privadas e todos foram causados por ação humana, segundo nota técnica do Laboratório de Aplicação de Satélites Ambientais da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A ministra Marina Silva afirmou que dezoito casos são investigados pela Polícia Federal. Para conter a crise, o governo montou uma sala de situação coordenada pela Casa Civil, colocou cerca de 500 funcionários em campo, incluindo brigadistas do Ibama, integrantes da Força Nacional e bombeiros, além de catorze aeronaves e oito embarcações. Lula também assinou um pacto com governadores para combater os incêndios.
Embora acumule números negativos no Pantanal e no Cerrado, o governo atual conseguiu reduzir o desmatamento na Amazônia em 62,2% e na Mata Atlântica em 59% em 2023 e retomou políticas abandonadas na gestão anterior. Na política externa, o governo emitiu vários bons sinais ao avançar na assinatura de acordos, na conquista do direito de organizar a COP30 e na retomada de parcerias internacionais. Segundo boa parte da população, no entanto, tais avanços não afastam a percepção de que o poder público federal é omisso na fiscalização e lento na tomada de medidas emergenciais, entre outros problemas. Para um governo que desejava transformar em vitrine sua política de meio ambiente, a área hoje virou uma incômoda vidraça.
Publicado em VEJA de 5 de julho de 2024, edição nº 2900