O conteúdo dos celulares que podem desvendar os últimos interlocutores e quem ajudou na fuga do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-capitão do Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro (BOPE), é um mistério. Um mês após a morte do chefe do Escritório do Crime, grupo de extermínio ligado à milícia com atuação na Zona Oeste, os aparelhos ainda não foram periciados e continuam sob tutela do Ministério Público Estadual. A Justiça fluminense já autorizou a quebra de sigilo dos treze telefones e chips apreendidos com Adriano durante a operação da polícia da Bahia que resultou em sua morte. A expectativa é que nas próximas semanas o material seja enviado ao Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), do governo do Rio, para ser analisado por peritos oficiais. Segundo fontes ouvidas por VEJA, o resultado, dependendo das condições dos celulares, pode sair em alguns dias ou até demorar meses.
Com o mandado de prisão expedido desde janeiro do ano passado, Adriano da Nóbrega era um dos criminosos mais procurados do país. Além de comandar uma organização que atuava em assassinatos, grilagem de terras, agiotagem e pagamento propina em Rio das Pedras, na Muzema e em outras favelas próximas, o ex-capitão tinha laços com o clã Bolsonaro. A mãe de Adriano e a ex-mulher dele eram nomeadas no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) e, segundo o MP, são suspeitas de participarem das “rachadinhas”, esquema em que funcionários devolvem parte dos salários ao parlamentar ou a um representante seu. Apontado como responsável por comandar a prática ilícita, o ex-policial Fabrício Queiroz, também expulso da PM, foi colega do miliciano do Batalhão de Jacarepaguá. O hoje senador Flávio Bolsonaro também homenageou duas vezes o miliciano. Uma delas com a Medalha Tiradentes, a maior honraria concedida pela Alerj.
Até o fim da última semana, a caixa contendo os celulares de Adriano da Nóbrega, enviada pelas autoridades baianas dias depois da operação na cidade de Esplanada, ainda estava lacrada. Antes de os aparelhos serem encaminhados para análise, eles terão de passar por uma perícia descritiva, ou seja, listar a quantidade, as marcas e os modelos. Em seguida, o ICCE deverá dizer se tem condições ou não de extrair os dados contidos nos telefones. Em caso negativo, o MP será obrigado a buscar uma empresa particular para fazer este trabalho, como ocorreu com as investigações envolvendo os celulares do policial aposentado Ronnie Lessa, acusado de matar a vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista Anderson Gomes. Ronnie também é integrante do Estritório do Crime, de acordo com a polícia. Para garantir que não houvesse violação dos aparelhos usados por Adriano, a caixa foi fotografada antes de ser transportada para o Rio e no momento que chegou nas mãos dos promotores do Grupo de Atuação Especial de Repressão em Crime Organizado (Gaeco), do MP. A família do ex-capitão não manifestou desejo de acompanhar a perícia.
Antes mesmo da perícia ser iniciada, o MP já sabe que Adriano da Nóbrega utilizava várias técnicas para despistar a polícia e não ser descoberto. De acordo com as investigações, o miliciano jamais falava ao telefone. Não há qualquer registro de sua voz. Em uma das táticas, para cada pessoa que ele se comunicava, Adriano usava um telefone diferente. Adotava a cautela de trocar diversas vezes os chips e mantinha os celulares em “modo avião”, que dificulta o rastreamento da localização. O objetivo da perícia é saber, entre outras coisas, quem participava da rede de proteção ao miliciano, que, antes de ser morto no sítio do vereador do PSL da Bahia, Gilsinho da Dedé, circulou por vários estados. Além disso, os promotores querem descobrir se alguém financiou a sua fuga e quem foi. A operação para encontrar Adriano resultou de uma ação conjunta da Secretaria de Polícia Civil do Rio de Janeiro e da Secretaria de Segurança Pública da Bahia.
A prisão do ex-capitão do BOPE foi decretada durante Operação Intocáveis I, coordenada pelo Gaeco e que denunciou outras doze pessoas. VEJA teve acesso com exclusividade a fotos do corpo de Adriano da Nóbrega. As imagens, publicadas na edição de capa de 19 de fevereiro, mostram que ele foi morto a tiros a curta distância, fortalecendo a suspeita de “queima de arquivo”.