Ocorrido na madrugada de 8 de março, o assassinato do menino Henry Borel, de 4 anos, expôs a face mais bárbara da personalidade do médico e então vereador carioca Jairo Souza Santos Júnior, conhecido como Dr. Jairinho. Na semana em que se iniciaram as primeiras audiências do julgamento que selará o destino dele e da namorada e mãe do garoto, a professora Monique Medeiros, vem à tona outra denúncia de atrocidade: a Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV) está investigando se Jairinho também agredia a filha, hoje uma adolescente de 14 anos. O inquérito em andamento, a que VEJA teve acesso com exclusividade, se baseia em um detalhado relato anônimo feito ao serviço Disque Denúncia em 6 de abril, dois dias antes de o casal ser preso por homicídio triplamente qualificado, tortura e coação de testemunhas. Na ligação, a pessoa afirma que a menina era tão brutalmente espancada pelo pai que a certa altura precisou de atendimento no serviço psicológico do Centro Educacional Espaço Integrado (CEI), na Barra da Tijuca, onde ela estudava. A mãe da garota, Ana Carolina Ferreira Netto, que tentou obter um habeas-corpus para não comparecer à fase de instrução do julgamento do caso Henry (não conseguiu), tampouco apareceu para prestar depoimento à polícia nesta nova investigação. “Caso se recuse, será conduzida coercitivamente”, afirma Adriano França, delegado titular da DCAV. No julgamento da morte de Henry, o promotor Fábio Vieira argumentou que Jairinho agia “por sadismo” e foi além de todos os limites: o laudo do corpo do menino aponta 23 lesões. Monique, segundo ele, foi conivente por interesse financeiro. O ex-vereador é réu em mais quatro processos: dois por tortura de outras crianças na mesma faixa etária de Henry e dois por violência contra ex-namoradas. Ana Carolina, a ex-mulher que não queria depor (ela sempre foi sustentada por ele), também teve registrados dois boletins de ocorrência por agressões quando eram casados. A polícia ainda apura se um sobrinho de 4 anos foi alvo da fúria de Jairinho.
No caso dos possíveis espancamentos da filha do casal, a polícia ouviu duas funcionárias do colégio onde a garota estudou até 2020. A diretora pedagógica, Lúcia Garcia, confirmou que ela foi atendida no departamento de psicologia. Não soube precisar detalhes, mas lembrou que “ouviu de uma coordenadora ou psicóloga (…) que a filha de Dr. Jairinho teria fugido de casa”. A fuga, quando a menina tinha 11 anos, foi confirmada por outra funcionária da escola e teria sido motivada por uma “crise de relacionamento dos pais”. “Depois de passar um tempo desaparecida, ela foi encontrada vagando perto de um shopping”, conta um amigo da família. Procurada, a diretora do CEI se recusou a atender a reportagem.
Na fase preliminar do julgamento do caso Henry, no 2º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, foram ouvidas as testemunhas de acusação. Das doze, duas não compareceram: a cabeleireira que atendeu Monique quando o filho, em ligação por vídeo um mês antes de ser morto, lhe relatou os maus-tratos do “tio Jairinho”, e a doméstica que trabalhava no apartamento de onde a criança saiu morta. “Não posso afirmar que houve coação, mas algumas testemunhas, que antes não tinham sido localizadas, só apareceram após a repercussão negativa”, diz Leniel Borel, pai de Henry. Borel prestou depoimento, bem como a babá Thayna Ferreira, que mudou completamente a versão que havia dado à polícia. Antes, relatara sessões de tortura contra o garoto por Jairinho, uma das vezes com a porta do quarto fechada, e agora nega tudo. A mãe de Thayna ainda trabalha como babá para a irmã do ex-vereador. Na véspera das primeiras audiências de instrução, a Justiça determinou a quebra de sigilos bancário e fiscal de Jairinho e Monique, com base em uma reportagem de VEJA que expôs um patrimônio incompatível com os rendimentos do político e não declarado à Justiça Eleitoral. Até o casal de réus ir a júri popular, o que deve ocorrer no ano que vem, estão previstos depoimentos de 51 testemunhas de defesa dos dois. Na primeira audiência, Jairinho acompanhou os interrogatórios por videoconferência. Monique compareceu ao tribunal, escoltada por policiais. Se condenados, a pena de cada um pode chegar a cinquenta anos de prisão. Muito mais, talvez, para Jairinho, o espancador de crianças.
Publicado em VEJA de 13 de outubro de 2021, edição nº 2759