Cachorros, irmã e liberais mobilizam novo presidente da Argentina
Novo presidente coleciona polêmicas e ganhou apelido de "El Loco"
O jeito introvertido e tímido do garoto do colégio Cardenal Copello, em Buenos Aires, não costumava passar incólume pela atenção dos outros estudantes, que, não raramente, o eleigiam como alvo de suas brincadeiras humilhantes. Javier Milei respondia a essas provocações com sopapos e pontapés, o que acabou lhe rendendo o apelido de “Loco”. A fama só se reforçou quando o garoto cresceu e passou a performar no palco músicas cover dos Rolling Stones, imitando a Mick Jagger à frente de sua banda, a Everest, ou quando se lançava sem medo contra a bola, jogando como goleiro profissional do clube Chacarita Juniors, da periferia de Buenos Aires.
É com essa alcunha que o próximo presidente argentino irá governar, tendo agora seu comportamento pouco convencional referendado pela expressiva vitória que obteve no segundo turno deste domingo. Seu jeito explosivo pôde ser testemunhado inúmeras vezes por interlocutores que ousaram discordar de suas opiniões. Em uma das mais contundentes, Milei insultou uma jornalista durante seis longo minutos em uma conferência na cidade de Salta, após ela lhe dirigir uma pergunta sobre John Maynard Keynes, economista que defendia o peso do Estado no desenvolvimento e que foi responsável pelo plano de recuperação econômica dos EUA, durante o período de depressão. O ataque de fúria teve tal proporção que os demais participantes do debate se recusaram a ir adiante, exigindo que Milei se desculpasse. Em vez de ceder, ele passou a dirigir sua ira para todos os presentes.
A personalidade, porém, nem sempre foi mal recebida. Milei se lançou na vida pública e se tornou conhecido ao ser convidado para participar das chamadas farândulas, programas de TV no horário nobre em que os particcipantes falam de política e economia com a mesma naturalidade que discutem as fofocas do mundo artístico – versões genéricas do Superpop, de Luciana Gimenez. Milei, com seu jeito polêmico, começou a fazer sucesso durante o governo de Maurício Macri, quando o economista elegeu o chefe do gabinete do ex-presidente como o responsável por tudo de errado que acontecia na Argentina.
Sua presença não era casual. Segundo o autor da biografia não autoriizada do novo presidente, Juan Luiz Gonzalez, ela atendia aos interesses de Eduardo Eurnakian, um dos maiores empresários da Argentina, que vivia às turras com macri. Ironicamente, o apoio do ex-presidente durante o segundo turno, foi fundamental para levar o ultralibertário para a zona de influencia do chamado circulo rojo, versão portenha da Faria Lima, e para obter a simpatia dos eleitores da coalisão macrista Juntos por El Cambio.
Na TV, Milei costumava discorrer sobre economia e apresentar seus planos para tirar a Argentina da crise, mas não apresentava nenhum tipo de pretensão política. A coisa mudou de rumo quando um sindicalista dos setor de bares e restaurantes lhe perguntou, durante um jantar secreto durante o período de quarentena, em plena pandemia : “Onde estão essas ideias liberais representadas na Argentina”. A pergunta o fez pleitear um cargo para a Câmara dos Deputados local. Em 202o, com apoio de diversos jovens, conseguiu conquistar 17% dos votos e se elegeu para o Congresso, levando de carona a atual vice-presidente, Victória Villaruel.
Paralelamente à carreira política, Milei colecionou polêmicas também no campo pessoal. A principal gira em torno da relação que mantém com os cachorros da raça mastin inglês. Em meio à uma depressão, o seu primeiro pet, um espécime de mais de 70 kilos apelidado de Conan, “salvou sua vida”, segundo suas próprias palavras. Quando o animal morreu, o economista gastou cerca de 50 mil dólares para cloná-lo, em uma clínica no Havaí. O processo resultou em cinco cópias, sendo quatro delas apelidadas com nomes de economistas de sua preferência como Milton Friedman e Friederic Hayek, todos da linha liberal. Um deles, é tido como o escolhido e teria encarnado a alma de Conan.
Milei também passou a se consultar com uma médium que se inspira no personagem Dr. Doolitle afirma se comunicar com animais no além. Ela inclusive disse, durante uma entrevista, que chegou a se conectar com o virus da Covid-19, durante a pandemia e que ele, meio hippie, teria informado que as pessoas precisam desacelerar um pouco da vida frenética. Karina, a irmã do novo presidente que comandou a campanha chegou a ter aulas com ela para tentar falar com o velho mascote.
Além dos conselhos espirituais, é ela quem conduz todos os detalhes da vida do irmão. Nenhum encontro é marcado sem sua anuência. A relação entre os dois se estreitou ainda durante a infância, quando Milei tomou uma sova do pai por dizer que a guerra das Malvinas ia acabar mal. A surra foi tão violenta que a irmã foi internada apenas por ter presenciado a cena. “Se ela morrer a culpa é sua”, Javier ouviu da mãe. A relação com o pai seguiu conturbada durante a vida adulta, até que ele se afastou por oito anos. O único laço familiar que restou nesse período foi a irmã. Recentemente, a família voltou a se conciliar.
No campo econômico, Milei pretende dolarizar a economia argentina. A aposta é considerada arriscada porque o país abriria mão de conduzir a própria politica monetária. A proposta porém, nunca foi debatida profundamente na campanha. “El Loco” Milei levou a discussão para outros campos e, assim, chegou à Casa Rosada.