Na lista dos dez criminosos mais procurados do Departamento Antinarcóticos dos Estados Unidos (DEA), quatro são chefes de dois dos mais perigosos e violentos cartéis do mundo — o de Sinaloa, cujo mais famoso capo, Joaquín ‘El Chapo’ Guzmán, que está preso, admitiu ter matado pelo menos 2 000 pessoas, e o Jalisco Nueva Generación (CJNG), que atua no tráfico internacional de drogas sintéticas, executa sequestros, promove assassinatos e é considerado atualmente o maior grupo criminoso do México. VEJA teve acesso a um relatório que alerta para um movimento que vem sendo observado há algum tempo, e tem se intensificado nos últimos anos e chamado a atenção das autoridades: esses cartéis, que antes concentravam as ações na América do Norte, estão expandindo suas operações por toda a América do Sul, especialmente nos países que fazem fronteira com o Brasil.
O documento, produzido pela embaixada brasileira no México a partir de informações colhidas pelos serviços de inteligência de vários países do continente, relata que os cartéis já operam intensamente no Equador e no Chile, onde foram apreendidos vários carregamentos de drogas oriundos diretamente de portos do México, um laboratório associado ao CJNG já foi desmontado e traficantes ligados a Sinaloa foram presos. Há sinais de que os mexicanos também operam no Paraguai e na Bolívia e usam o Suriname, a Guiana e a Guiana Francesa como entrepostos para exportar drogas para a Europa. A novidade é o avanço em direção ao Brasil, que, além de servir como corredor de passagem para outros continentes, também é um dos maiores mercados consumidores de cocaína e de drogas sintéticas do planeta.
A Polícia Federal já detectou conexões dos cartéis com facções criminosas, como o PCC, mas ainda não há evidências sobre a atuação direta dos mexicanos em território nacional. As autoridades trabalham com a hipótese de que a expansão de Sinaloa e Jalisco pode ter o desembarque no Brasil como um dos objetivos principais. “Com uma economia maior, que é praticamente a soma de todas as demais economias da América do Sul, o Brasil oferece uma possibilidade mais ampla de manter organizações voltadas para a lavagem de dinheiro dos cartéis sem chamar muita atenção”, diz o delegado aposentado da Polícia Federal Jorge Pontes, colunista de VEJA, que acrescenta: “É preciso ficar muito atento a esse avanço. Um país não consegue enfrentar sozinho criminosos internacionais desse porte”. O relatório produzido pela embaixada inclui outras suspeitas.
As novas bases dos cartéis mexicanos estariam sendo erguidas em países onde os traficantes contariam com a falta de fiscalização, a leniência e até mesmo o apoio direto de alguns governos. E cita dois exemplos: a Venezuela, que ofereceria “instalações” para facilitar receber as quadrilhas, e, mais recentemente, o Peru, que teria voltado a ser um polo de atração depois de abrandar regras e instrumentos de combate ao narcotráfico. “Informações advindas do Peru dão conta de que apenas 600 hectares (de plantação de coca) dos 25 000 que são a meta anual da Política Nacional Antidrogas foram erradicados, sendo que, após a posse do novo governo de esquerda do referido país, o novo ministro do Interior (Juan Manuel Carrasco) ordenou paralisar as ações de erradicação”, ressalta o documento. A folha de coca é a matéria-prima para a fabricação da cocaína.
Com relação à Venezuela, as suspeitas são mais graves. Caracas estaria disponibilizando logística para os narcotraficantes dispostos a se instalar no país. “No mundo do crime, as Orcrims dedicadas ao tráfico de drogas têm conhecimento de que a cocaína flui na Venezuela e pela Venezuela, haja vista que na vizinha Colômbia organizações criminosas lutam para entrar e se beneficiar das ‘instalações’ que a Venezuela oferece para o tráfico de drogas”, afirma o relatório. Procurada, a embaixada do Peru informou que tem uma política antidrogas até 2030, que prevê, entre outras medidas, a “erradicação direcionada e sustentável das plantações de coca”. A representação diplomática da Venezuela não se manifestou. Para o delegado Bráulio do Carmo Vieira de Melo, secretário adjunto de Operações Integradas do Ministério da Justiça, órgão responsável por sistematizar e coordenar ações contra a criminalidade nas fronteiras, o Brasil está atento ao problema e tem se empenhado em coibir o tráfico nos mais de 17 000 quilômetros de fronteiras. No ano passado, foram apreendidos na região 592 toneladas de drogas, 77 milhões de reais em dinheiro e 229 pessoas foram presas.
Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2022, edição nº 2771