Há cerca de três meses o presidente Lula e o deputado Arthur Lira (PP-AL), comandante da Câmara, negociam a entrada do Centrão na base governista. As conversas, como costuma ocorrer nesse tipo de transação, giram em torno da distribuição de ministérios, estatais e recursos orçamentários, mas não se restringem ao loteamento de cargos na máquina pública. Em seu terceiro mandato, Lula acha que Lira ganhou poder demais na gestão de Jair Bolsonaro e não aceita delegar ao grupo do parlamentar, como fez o antecessor, o controle de pastas de ponta e das verbas herdadas do antigo orçamento secreto. Já Lira não quer perder a influência nem o posto de parlamentar mais poderoso do país e, por isso, reivindica espaços estratégicos na administração federal. Na prática, um está disputando poder com o outro — e nenhum dos dois quer ser visto, perante a classe política, como aquele que mais cedeu nas tratativas em curso. Essa queda de braço, que adiou até agora a adesão do Centrão, também tem outro pano de fundo: a próxima eleição para a presidência da Câmara, em 2025, na qual Lula e Lira — atualmente aliados de conveniência — não estarão necessariamente do mesmo lado.
Pelas regras atuais, o deputado, que foi reeleito para chefiar a Casa no início do ano com o apoio do presidente e do PT, não pode disputar a sucessão. Seu plano é lançar como candidato o líder do União Brasil, Elmar Nascimento. No posto, Nascimento defenderia as demandas de Lira, invertendo os papéis que os dois hoje desempenham. Como se sabe, o cargo de presidente da Câmara é poderoso demais, e Lula acha que, se o governo for bem-sucedido, terá condições de lançar, em 2025, um nome de sua estrita confiança ao posto. O petista também não confia 100% em Lira, a quem se aliou no início do ano por saber que não tinha como derrotá-lo. Além disso, sabe de cor e salteado o que um adversário pode fazer no exercício da função — retardar a tramitação de projetos considerados prioritários, constranger o governo com investigações e determinar a abertura de processo de impeachment contra o presidente da República. É um risco que o petista não quer correr.
Com dois mandatos completos de presidente no currículo, Lula tem a dimensão exata do que significa ter aliados ocupando os postos mais importantes do Congresso. Por conta disso, as articulações nessa direção começaram desde a posse. No Senado, se nada mudar, os governistas dão como certa a eleição de Davi Alcolumbre para o lugar de Rodrigo Pacheco. O parlamentar amapaense comandou o Congresso antes de Pacheco, é popular entre os colegas e apoiou Lula nas eleições do ano passado. Para assegurar a fidelidade do senador e de um naco de seu partido, o presidente concedeu a ele o privilégio de indicar um ministro em sua cota pessoal (Desenvolvimento Regional), outros dois na cota do seu partido (Comunicações e Turismo), vultosas verbas do orçamento e a garantia de apoio da bancada governista para a disputa de 2025. Meio caminho andado.
Na Câmara, a situação é diferente. Experiente, o presidente não tratará publicamente da sucessão tão cedo, para não encomendar, sem necessidade, uma crise com Lira. A estratégia do petista é jogar parado por enquanto, até porque se beneficia indiretamente do fato de já haver outros pretendentes ao cargo, como o deputado Marcos Pereira, mandachuva do Republicanos e, como Lira, uma eminência do Centrão. Sua prioridade é se acertar com os partidos, reduzir os riscos imediatos de contratempos e, se tudo der certo, pavimentar o caminho para a ascensão de um nome de sua confiança.
Elmar Nascimento é um dos parlamentares mais ligados a Arthur Lira. Além da afinidade política, eles são amigos. Há dez anos seguidos, Elmar comemora o Ano-Novo com a família na casa de Lira, em Alagoas. No Carnaval, é o deputado quem recebe a família Lira em sua casa na Bahia. Eles também viajam juntos, conversam todos os dias e combinam estratégias de ação. No início do governo Lula, Elmar chegou a ser convidado para assumir o Ministério da Integração, mesmo depois de ter apoiado Bolsonaro e chamado Lula de corrupto e presidiário durante a campanha eleitoral. Quando tudo parecia resolvido, o presidente desistiu da ideia, e até hoje não explicou o porquê. A mágoa do “quase ministro” com esse episódio, que não era pequena, parece ter arrefecido recentemente – indício de que alguma coisa mudou. Indagado a respeito, ele desconversa. Sem entrar em detalhes, diz apenas que as “coisas agora estão caminhando”. Vamos acompanhar para qual direção.
Publicado em VEJA de 11 de agosto de 2023, edição nº 2854