Era março de 2022 quando uma impaciente Michelle Bolsonaro estreou em um palanque, no Rio de Janeiro, no evento do PL que oficializaria a pré-candidatura de seu marido, Jair Bolsonaro, à reeleição. A então primeira-dama, aparentemente desconfortável, ensaiou deixar o palco, mas foi impedida pelo presidente, que pediu que ela falasse. O discurso foi curto, mas premonitório. “Hoje é um novo ciclo que se inicia”, disse. Desde aquele dia, passou a atuar mais ativamente na política. Filiou-se ao PL, acompanhou Bolsonaro em viagens, foi presença constante em cultos evangélicos pelo país, participou do horário eleitoral na TV e discursou em vários comícios daquela disputa presidencial. Bolsonaro foi derrotado por Lula, mas Michelle saiu da eleição politicamente maior do que entrou. Em março, assumiu o comando do PL Mulher, cargo que lhe deu mais visibilidade e permitiu continuar percorrendo o país. Com a decisão da Justiça de tornar seu marido inelegível, em junho, ela virou uma das principais apostas eleitorais do partido.
A confiança no potencial da ex-primeira-dama fez dela uma espécie de curinga na estratégia eleitoral do PL. Em outubro, foi sondada como candidata a uma vaga no Senado pelo Paraná caso a cadeira fique vaga em razão da cassação do titular Sergio Moro pela Justiça — ele é alvo de uma ação na Justiça por irregularidades na sua campanha em 2022. Segundo o Paraná Pesquisas, no principal cenário, ela é a favorita para a disputa, com 35,7% das intenções de voto, à frente de políticos mais experientes, como o ex-senador Alvaro Dias (Podemos) e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Para disputar a vaga, ela teria que correr contra o tempo, porque a legislação exige que ela apresente domicílio eleitoral até seis meses antes da votação — o que seria em abril caso a disputa extemporânea ocorresse em outubro de 2024, junto com as eleições municipais. Ao fazê-lo, ela teria que comprovar que mora há pelo menos três meses no estado. O PL também pretende sondar o potencial de Michelle como senadora em Rondônia e Santa Catarina — outros dois estados com possibilidade de eleição suplementar, já que há ocupantes do cargo ameaçados de cassação —, além de prefeita no Rio de Janeiro, depois da decisão do TSE, na terça, 31, de tornar inelegível o general Walter Braga Netto, apontado como o principal candidato. No caso da capital fluminense, ninguém leva a muito a sério a possibilidade, mas um possível bom desempenho dela numa sondagem eleitoral serviria para incomodar Eduardo Paes, prefeito, candidato à reeleição e favoritíssimo no páreo.
Além do caminho a ser escolhido para Michelle, discute-se no PL se não seria o caso de esperar até 2026 para lançá-la como candidata. Ela é cogitada até como herdeira dos votos do próprio Bolsonaro numa corrida presidencial, o que não agrada ao ex-presidente. Segundo pessoas próximas, o mais provável é que ela tente o Senado pelo Distrito Federal, onde mora — com duas vagas em disputa na próxima eleição, é maior a chance de vitória. “Ela inegavelmente é uma pessoa que tem muito carisma e talento, mas eleição a gente vai ver no momento oportuno”, diz Rogério Marinho, líder da oposição no Senado.
Independentemente de sua candidatura ou não a um cargo público em 2024, a sigla já conta com Michelle como um dos principais cabos eleitorais nas eleições municipais. O partido tem a meta de conseguir eleger 1 000 prefeitos pelo país. Para isso, o plano é que a ex-primeira-dama intensifique a agenda do PL Mulher, principalmente em municípios que terão candidatas do partido. A ex primeira-dama já tem feito visitas a vários estados para participar de eventos como filiações e cursos de formação política — só em outubro esteve em Minas Gerais, Pará, Goiás e Ceará. “Acho que ela vai se destacar em qualquer escolha que faça, em qualquer estado. O presidente Valdemar Costa Neto está investindo bastante, promovendo esses encontros e incentivando”, diz a deputada Rosana Valle, presidente do PL Mulher em São Paulo e cotada para disputar a Prefeitura de Santos, no litoral paulista.
O sucesso eleitoral de Michelle, no entanto, depende de muitos fatores. Apesar da popularidade crescente, as investigações contra Bolsonaro respingaram na ex-primeira-dama, que acabou se tornando uma das personagens centrais do caso das joias sauditas, e precisou prestar depoimento à Polícia Federal. Em uma desastrada tentativa de lidar com o assunto, ela ironizou o episódio e disse que lançaria sua própria marca, a “Mijoias”. Apesar dos contratempos, o bolsonarismo ainda é uma força política inegável no país e continuará a ter um peso considerável nos próximos anos. Michelle surge como uma das principais apostas desse grupo para tentar manter a relevância — resta saber se o legado bolsonarista será sua maior vantagem ou seu maior obstáculo.
Publicado em VEJA de 3 de novembro de 2023, edição nº 2866