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Ao denunciar pai e madrasta, o calvário de Bernardo se agravou 

O garoto era impedido de usar piscina, ver TV, entrar em casa e se alimentar em família

Por João Batista Jr, de Três Passos (RS)
Atualizado em 13 mar 2019, 11h23 - Publicado em 12 mar 2019, 20h31
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  • Mais detalhes sobre o calvário de Bernardo Boldrini foram revelados no segundo dia do júri popular marcado para sentenciar ou inocentar os réus acusados de sua morte, no fórum de Três Passos (RS). A primeira testemunha de acusação foi Juçara Marques Oliveira Petry, ex-vizinha e pessoa que mais acolheu o garoto. Bernardo chegou a passar trinta dias seguidos em seu apartamento, sem ser requisitado pelo pai ou madrasta. Bernardo e Juçara se viam quase todos os dias. Era com ela que fazia a lição escolar, dormia, passeava, ia a festas aos finais de semana. No último ano de vida, foi ela quem lhe deu estojo e caderno no início do ano letivo.

    Os exemplos de ausência de carinho e atenção são inúmeros. Na ocasião da primeira comunhão, Juçara comprou a roupa da cerimônia, esteve presente na igreja e fez um almoço comemorativo — pai e madrasta não deram as caras. O pai dele, Leandro Boldrini, foi buscá-lo neste dia, que era para ser de festa, no fim de tarde e somente após Juçara telefonar. Em um dia, sob forte chuva, ao devolver o garoto, a madrasta não quis abrir a porta da residência. Na hora de dormir, pedia para dormir no meio de Juçara com seu marido, Carlos. Para exemplificar a situação de abandono, Juçara recorda uma situação em específico: “Certo dia, o Bê chegou em casa à noite pedindo para comer porque a Graciele havia feito bife, mas não serviu a ele. Disse para o menino se virar sozinho caso quisesse comer.”

    A tortura psicológica do garoto se agravou quando, no dia 24 de janeiro, ele entrou sozinho no fórum para denunciar pai e madrasta por falta de amor e por maus-tratos. Juçara sabia que ele iria ao fórum, mas ele não revelou o motivo. “Eu não poderia ficar com a guarda dele. O menino tinha tios, avós… eu fazia um tratamento de câncer. Eu dava amor e lar, mas não tinha como ter a guarda.” Segundo Juçara recorda, Bernardo ficou três semanas sem aparecer em sua casa após a denúncia, mas depois a situação de abandono voltou. Com um diferencial: a rotina piorou ainda mais.

    Segundo a testemunha Andressa Wagner, secretária do consultório de Leandro Boldrini por quatro anos e três meses, a madrasta Graciele ficou possessa com a denúncia feita pelo enteado. E insinuou: “Não é difícil achar quem dê um fim no menino. Dinheiro eu tenho.”  A situação é a mesma relatada pela testemunha de defesa de Leandro, a técnica de enfermagem Marlise Cecília Henz: “A Graciele se estressou quando foi intimada pelo fórum. Já o pai, Leandro, ficou imensamente triste.” Marlise vai além nas lembranças. Ela recorda que sumiram ampolas de Midazolam, o sedativo utilizado para assassinar Bernardo, da farmácia do hospital onde ela e Graciele davam expediente. Para a técnica de enfermagem, Boldrini não sabia do plano de execução.

    O relato mais chocante foi prestado por Ariane Schmitt, a psicóloga de Bernardo. “Em 45 anos de profissão, nunca vi um caso de tamanho abandono. Ele vivia em situação pior que um cachorro de rua.” Para ela, o menino morreu bem antes de ser sedado e jogado em cova, com corpo depois tomado por 2 quilos de soda cáustica. “O Bernardo teve a sua infância abortada por falta de brinquedos, de oportunidades, de alimentação e de vestuário adequado. A morte dele não foi no dia 4 de abril de 2014: ela ocorreu de forma lenta, gradual e contínua.” Bernardo falou em mais de uma ocasião sobre o desejo de se matar. Ele andava com Rivotril e Ritalina dentro de sua mochila, drogas administradas sem a supervisão de um adulto. Segundo a psicóloga, os remédios foram prescritos, a pedido do pai do garoto, por um psiquiatra amigo da família.

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    Foram ouvidas nesta terça-feira, 12, seis testemunhas. Algumas delas exigiram que todos os réus estivessem fora da sala. Ainda faltam outras seis pessoas. Respondem ao processo criminal o pai da vítima, o médico Leandro Boldrini, a madrasta, a enfermeira Graciele Ugulini, e os irmãos Edelvânia e Evandro Wirganovicz (amigos de Graciele). Eles serão julgados pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri, onde os jurados decidirão se são culpados ou inocentes dos crimes de homicídio quadruplamente qualificado (Leandro e Graciele), triplamente qualificado (Edelvânia) e duplamente qualificado (Evandro), além de ocultação de cadáver. Leandro Boldrini também responderá pelo crime de falsidade ideológica.

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