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Novas vítimas acusam médico Nabil Ghorayeb de assédio sexual

Sob investigação policial, o cardiologista é um dos especialistas em medicina esportiva mais conhecidos do país

Por Caíque Alencar, Edoardo Ghirotto Atualizado em 4 jun 2024, 13h41 - Publicado em 4 jun 2021, 06h00
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  • Renomado profissional da medicina esportiva, o cardiologista Nabil Ghorayeb costuma realizar check-ups em atletas como o craque Neymar, coordena um núcleo em sua especialidade no HCor em São Paulo, assina colunas no site Globo Esporte e é autor de quatro livros, tendo inclusive ganhado em 2000 o Prêmio Jabuti de Literatura, o mais importante do país, na categoria ciência e saúde. O dono desse impressionante currículo encontra-se agora sob investigação policial, acusado de assédio sexual por uma série de vítimas. O caso é apurado por meio de um inquérito que corre em sigilo na 2ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM). As primeiras três denúncias chegaram à promotora Gabriela Manssur, colaboradora da Ouvidoria Nacional do Ministério Público e criadora do projeto Justiceiras, que combate a violência contra a mulher. Manssur fez os encaminhamentos necessários e as vítimas passaram a ser atendidas pelo MP-SP em abril. Nos últimos dias, outras quatro mulheres procuraram os promotores paulistas para formalizar queixas contra Ghorayeb.

    A reportagem de VEJA localizou e entrevistou cinco das envolvidas no caso. Os ataques teriam ocorrido, em sua maioria, no consultório particular do médico, na Zona Sul da capital paulista. “Quando eu cheguei, ele me deu um beijo e um abraço superconstrangedor, levantou a minha mão, me girou e disse: ‘Nossa, deixa eu ver tudo isso’”, conta a administradora de empresas Bárbara Leite, de 40 anos, a única que aceitou ter seu nome divulgado, referindo-se a um encontro ocorrido em 2018. Elogios impróprios podem ser enquadrados como crime de assédio, mas os relatos acusam o profissional de ter ido mais longe, o que inclui a molestação de uma menor de idade. D.F.P. afirma que Ghorayeb lhe pediu para que se sentasse na maca e tirasse a camisa e o sutiã. “Na hora de me auscultar, ele me apalpou e disse: ‘Olha que seios lindos e durinhos’. Em seguida, perguntou se eu fazia algum esporte”, lembra sobre o episódio ocorrido, segundo ela, em 1991, quando tinha 16 anos. D.F.P. diz que teve coragem de contar a história depois de tomar conhecimento das primeiras denúncias contra o cardiologista. No caso de A.R.C, o ataque teria sido ainda mais violento. Em consulta realizada em janeiro, de acordo com a denúncia, Ghorayeb tocou em suas partes íntimas e a forçou para que ela manipulasse seu pênis.

    LOCAL - A clínica do especialista: a maior parte dos casos teria ocorrido ali -
    LOCAL - A clínica do especialista: a maior parte dos casos teria ocorrido ali – (//Reprodução)

    O advogado Paulo Soldá, defensor de Ghorayeb, conta que já protocolou petição dando a versão do cardiologista sobre os fatos. “Também juntamos ali algumas provas, a exemplo de alguns áudios”, disse ele a VEJA, sem dar maiores detalhes. Ghorayeb, em nota enviada à redação, garante que “são inverídicas, infundadas e descabidas as acusações a ele atribuídas” e que “não consegue entender a motivação de acusações caluniosas e difamatórias, sem apresentar nenhuma prova”. Afirma, ainda, que tem “mais de cinquenta anos dedicados à medicina, cujo resultado é o respeito dos seus pacientes, dos seus pares e a conquista de uma reputação ilibada”. Garante que nunca houve na sua trajetória situação semelhante na atividade profissional ou na vida pessoal e, por fim, anuncia “que medidas judiciais serão adotadas contra irresponsáveis declarações”.

    Denúncias de assédio sexual em consultórios médicos estão longe de ser uma raridade. No ano passado, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo registrou 83 queixas do tipo, o maior número desde 2017. Na visão de especialistas no assunto, casos que atingiram uma repercussão enorme nos últimos tempos e resultaram em condenações servem de incentivo para as vítimas. “O movimento de empoderamento feminino permitiu que mulheres se identificassem como vítimas em situações semelhantes. Muitas não sabiam que essas práticas configuravam crimes”, diz Gabriela Manssur. Nessa linha, um dos marcos foi o escândalo envolvendo Roger Abdelmassih, que recebeu uma sentença de 173 anos de reclusão pelo estupro de 49 pacientes (em maio, ganhou direito à prisão domiciliar). Em dezembro, o nutrólogo Abib Maldaun Neto foi preso pelos crimes de violação sexual mediante fraude cometidos contra nove pacientes — ele ainda aguarda a sentença no caso. Nos últimos dias, um comportamento impróprio gerou um escândalo fora do Brasil: o médico gaúcho Victor Sorrentino foi detido no Cairo, capital do Egito, após o vídeo em que ele faz perguntas com conotações sexuais a uma vendedora viralizar na internet.

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    ESCÂNDALO - Roger Abdelmassih: sentenciado a 173 anos de reclusão pelo estupro de pacientes -
    ESCÂNDALO - Roger Abdelmassih: sentenciado a 173 anos de reclusão pelo estupro de pacientes – (SENAD/AFP)

    Uma mudança no tratamento das vítimas por parte da Justiça também está ajudando a acabar com o constrangimento na hora de denunciar esse tipo de crime. “Foram criados núcleos de atendimentos e muitas demandas de movimentos feministas foram atendidas, o que facilitou o contato de vítimas com autoridades. Foi preciso um tempo de maturação porque antes esses crimes eram vistos de forma pejorativa”, observa Luísa Moraes Abreu Ferreira, mestre em direito penal e doutoranda pela FGV-SP no tema de crimes sexuais, fazendo a ressalva que há um longo caminho para acabar com a subnotificação do problema. Um dos canais abertos pelo MP-SP é o e-mail somosmuitas@mpsp.mp.br. Todas as vítimas que encaminham denúncias ao endereço têm o anonimato garantido pelos procuradores e o material recebido é processado e analisado pelo Núcleo de Gênero do Centro de Apoio Operacional Criminal (CAOCrim). Foi por meio desse canal que o MP-SP recebeu 52 denúncias contra o médium João de Deus e outras dezessete referentes a Maldaun Neto.

    Crimes de assédio sexual estão previstos no artigo 216-A do Código Penal e podem resultar em penas de um a dois anos de prisão. Esse tipo de crime pressupõe a existência de relação laboral entre o agente e a vítima, em que o agente usa a hierarquia ou ascendência de seu cargo, emprego ou função com a finalidade de obter vantagem sexual. Se a vítima for menor de idade, a punição é aumentada em até um terço. No caso de Ghorayeb, as investigações apontam para o crime de importunação sexual, com penas que vão de um a cinco anos de prisão. Mesmo que os casos tenham acontecido há anos, a coordenadora do Núcleo de Gênero do MP-SP, Valeria Scarance, afirma que é imprescindível que as vítimas formalizem as denúncias para fortalecer a coleta de provas contra o abusador. “No momento em que outras mulheres relatam fatos semelhantes e que foram praticados pelo mesmo agressor, há um encorajamento coletivo”, sustenta.

    NA CADEIA - Maldaun Neto: aguardando sentença no presídio de Tremembé, em São Paulo -
    NA CADEIA - Maldaun Neto: aguardando sentença no presídio de Tremembé, em São Paulo – (./Reprodução)

    No caso que envolve Nabil Gho­rayeb, algumas denúncias, embora tenham sido registradas recentemente, já prescreveram, como a de D.F.P. a respeito do ataque que teria ocorrido em 1991. Outra das sete acusações registradas contra ele também se refere a uma história antiga. A fisioterapeuta E.C., de 44 anos, afirma ter sido assediada por Nabil em 2000, quando era estagiária na ala de reabilitação cardíaca no Instituto Dante Pazzanese, em São Paulo. Ele chefiava por lá um departamento ligado a medicina esportiva e, de acordo com o relato da suposta vítima, certo dia, o médico a chamou para o consultório dele para “mostrar um caso”. Quando ficaram próximos, disse que ela era a “professora mais linda do Dante Pazzanese”. Ainda de acordo com essa versão, Nabil teria ido para cima da estagiária, pressionando-a contra a parede, passando a mão no seu corpo e perguntando se a garota estava gostando. “Consegui golpeá-lo com um chute e sair correndo pelo corredor, mas não disse nada a ninguém sobre o ocorrido”, conta a fisioterapeuta, que também diz ter tomado coragem para registrar a história após saber do movimento de outras mulheres.

    NO EXTERIOR - Sorrentino: prisão no Cairo, após perguntas com conotação sexual a uma vendedora -
    NO EXTERIOR - Sorrentino: prisão no Cairo, após perguntas com conotação sexual a uma vendedora – (Reprodução/Instagram)

    Ghorayeb não faz mais parte do quadro de funcionários do Dante Paz­zane­se desde o início do ano. Ele tirou férias em janeiro e, em seguida, entrou com uma licença-prêmio até julho, quando completará 75 anos e se aposentará. Fausto Feres, no cargo de diretor do instituto desde 2017, afirma que em nenhum momento a ouvidoria do hospital recebeu denúncias contra o cardiologista: “Nunca chegou nada do tipo até mim”. Na semana passada, após a divulgação das primeiras acusações, Ghorayeb deixou de dar expediente em outro hospital. “O HCor e o médico Nabil Ghorayeb definiram, de forma conjunta, formalizar o seu afastamento temporário das atividades no hospital até a apuração dos fatos”, informa uma nota divulgada pela direção do local. “Conforme noticiado, as denúncias — que não ocorreram nas dependências do HCor — já estão sendo devidamente apuradas pelas autoridades competentes”, completa o texto. É fundamental que uma investigação séria estabeleça a verdade sobre as graves denúncias de assédio sexual envolvendo o renomado médico.

    Publicado em VEJA de 9 de junho de 2021, edição nº 2741

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