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A ameaça do coração fascista

No Brasil, autoritarismo e cordialidade mantêm relações perigosas

Por João Cezar de Castro Rocha
Atualizado em 4 jun 2024, 16h59 - Publicado em 28 set 2018, 08h00
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  • – Em 1932, Carl Schmitt publicou O Conceito do Político, um ensaio definitivo para o entendimento dos diversos autoritarismos do século passado. (Do século passado?)

    – Em uma semana terão lugar as eleições gerais — e não apenas o primeiro turno das eleições presidenciais. A concentração midiática exclusiva no pleito federal e a obsessão pelas voláteis pesquisas de intenção de voto são o sintoma mais preocupante dos impasses da democracia brasileira. A facebuquianização da pós-política, reduzida a memes esvaziados de conteúdo e limitada à ­viralização de fake news, é a forma mais visível do fascismo nosso de cada dia.

    – No sentido clássico, política era a arte do bom governo da cidade. Não se esqueça, contudo: na ágora ateniense, somente tinham voz os homens proprietários de terras e de es­cravos. Os estrangeiros eram párias e as mulheres nem sequer podiam frequentar o teatro.

    – Em 1789, a França revolucionária testemunhou o aparecimento de um livro premonitório, assinado por Madame G., La France Sauvée par les Femmes. Hoje, as mulheres se esforçam para salvar o Brasil traduzindo o título fran­cês com a firmeza necessária: “#elenão!”. Nunca, acrescentam muitas — aliás, com toda a razão.

    – Eis como o pensador alemão definiu a essência do gesto político: “Inimigo é apenas o inimigo público, pois tudo que refere a tal conjunto de homens, especialmente a um povo inteiro, torna-se por isto público”. Aqui, o gesto político exige a definição de um “outro”, radicalmente diverso, contra o qual um grupo se une. Em lugar da mediação das instituições, o gesto político se impõe a partir da decisão de um centro de poder — a deriva autoritária salta aos olhos. E bem: Carl Schmitt alugou sua pena de brilhante jurista à abjeção da legislação nazista de segregação racial.

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    – Em Raízes do Brasil, saído em 1936, na véspera da ditadura do Estado Novo (1937-1945), Sérgio Buarque de Holanda recorreu ao ensaio de Carl ­Schmitt para definir o conceito de homem cordial. Dominado pelo coração, ele é muito afetuoso com seus amigos e bastante violento com seus inimigos. Em 2018, não devemos negligenciar as relações perigosas entre cordialidade e autoritarismo.

    – Em 1933, Adolf Hitler foi eleito para o Parlamento alemão. Isso mesmo: eleito. No momento em que foi levado a sério, já era tarde demais. Uma vez no poder, Hitler levou adiante seu programa político, que consistia em abolir toda atividade política! Ou seja, seus opositores foram sumariamente eliminados ou totalmente excluídos da vida pública. É sempre o que acontece quando um fascista é eleito, paradoxalmente graças à vigência da democracia.

    – A virulência e a agressividade de uma linguagem carente de recursos constituem o primeiro passo de ascensão do fascismo, que sempre degenera em violência física. Eric Voegelin acertou em cheio ao associar o nazismo com o empobrecimento da linguagem cotidiana durante a República de Weimar.

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    – Chegou a hora de mudar para valer. Vamos?

     

    Publicado em VEJA de 3 de outubro de 2018, edição nº 2602

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