Um levantamento feito com base em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, disponível no portal Datasus, revela que o índice de mulheres mortas a tiros dentro de casa maior que o dobro do registrado em relação ao sexo masculino, embora os homens sejam maioria absoluta entre as vítimas de armas de fogo no País.
O balanço mostra que dos 46.881 homens mortos por armas de fogo em 2017, último dado disponível no sistema, 10,6% morreram dentro de casa. No caso das 2.796 mulheres mortas da mesma forma, 25% foram vitimadas em domicílio.
A diferença de locais de ocorrência de mortes de homens e mulheres reafirma estatísticas criminais já conhecidas de que boa parte dos autores de violência contra a mulher são do seu núcleo de convivência, como marido, namorado, pais, tios e vizinhos, entre outros.
Para especialistas em segurança pública, a flexibilização do posse de arma no País, definida em decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro na última terça-feira 15, pode agravar o cenário e aumentar o número de casos de feminicídio no País.
“A flexibilização da posse de arma de fogo potencializa o risco de todas essas mortes por razões banais. Muitas mulheres morrem por força de conflitos corriqueiros e domésticos. Discussões que hoje terminam num empurrão ou num tapa podem terminar num feminicídio se o agressor tem fácil acesso a uma arma”, diz Silvia Chakian, promotora de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid) do Ministério Público de São Paulo.
Fator de risco
A promotora relata que a posse de uma arma de fogo por um homem com histórico de violência doméstica pode, inclusive, ser usada pela Justiça como critério para a concessão de medidas protetivas a uma mulher. “É um fator de risco que pode levar a Justiça a decretar até a prisão preventiva de um suspeito”, explica.
Diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques destaca que a análise de boletins de ocorrência de violência contra a mulher mostra que armas de fogo também são usadas por um parceiro agressor para intimidar a vítima. “Nesses casos, a mulher fica com mais medo e acaba se submetendo a um relacionamento violento”, diz ele.
Foi na casa onde morava com a família, em Andradina, interior de São Paulo, que a jovem Danielle Batista Martins da Silva, de 25 anos, foi assassinada a tiros pelo marido após uma briga, há cerca de dois meses.
O crime foi cometido pelo técnico de futebol Max Alberto Martins da Silva, de 35 anos. Durante uma discussão, Danielle correu para a casa da mãe, que fica no mesmo terreno.
Descontrolado, segundo a Polícia, Max foi à casa da sogra e, como não conseguiu se acertar com a companheira, voltou para a residência do casal e pegou um revólver calibre 32. Retornou, então, para o imóvel vizinho, atirou na testa da mulher e, depois, disparou contra a própria cabeça. Antes, ainda procurou pelos três filhos do casal, que haviam fugido com a avó.
O crime aconteceu no começo de novembro do ano passado e a mulher morreu no local, enquanto que o marido foi socorrido até a Santa Casa de Araçatuba, também no interior paulista, onde acabou morrendo três dias depois.
Ainda abalados pela tragédia, parentes de Danielle evitam fazer comentários. Já os amigos lamentam a tragédia. Alguns atribuem o ocorrido à facilidade do acesso ao revólver naquela ocasião. “É o exemplo do que uma arma pode fazer”, diz Sérgio Luís Alves, que conhecia o casal. “Acho que, na hora da raiva, se você tem facilidade para se armar e não está com a cabeça boa, pode acabar fazendo uma besteira”, afirma.