Os cheques para a primeira-dama
É preciso uma explicação muito diferente das que foram apresentadas sobre o relacionamento da família Bolsonaro com Queiroz
Editorial de O Estado de S. Paulo (11/8/2020)
O presidente Jair Bolsonaro deve ao País uma explicação convincente sobre os cheques depositados por Fabrício Queiroz, ex-policial militar e ex-assessor parlamentar do filho Flávio, em nome da primeira-dama Michelle Bolsonaro. As movimentações datam de outubro de 2011 a dezembro de 2016, em valores de R$ 3 mil e R$ 4 mil, alcançando a soma de R$ 72 mil. Revelado pela revista Crusoé, o detalhamento dos depósitos de Queiroz em nome de Michelle foi confirmado pelo Estado.
É preciso uma explicação muito diferente das que foram apresentadas até agora sobre o relacionamento da família Bolsonaro com o ex-policial militar Queiroz. Desde que foi revelada, no segundo semestre de 2018, a investigação envolvendo movimentações suspeitas de Fabrício Queiroz e os Bolsonaros, o que se ouviu foram relatos pouco convincentes que, com o passar do tempo, se mostraram insustentáveis. Bastou vir uma nova informação sobre o caso para que a explicação anterior se tornasse inverossímil. O País não merece versões parciais, especialmente de quem chegou ao Palácio do Planalto prometendo combater a corrupção.
A revelação dos depósitos de R$ 72 mil escancara, por exemplo, a insuficiência da explicação dada em dezembro de 2018, quando veio à tona relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), anexado aos autos da Operação Furna da Onça, que citava um cheque de R$ 24 mil depositado por Fabrício Queiroz em favor de Michelle Bolsonaro. A movimentação levantou suspeita, uma vez que não se encaixava nas atribuições funcionais do ex-policial militar que foi assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro até outubro daquele ano.
Na ocasião, a explicação para a movimentação dos R$ 24 mil na conta de Michelle Bolsonaro não foi dada pela titular da conta. Foi Jair Bolsonaro quem apresentou uma razão para o tal depósito do assessor parlamentar de seu filho na conta de sua mulher. Segundo Bolsonaro, o valor de R$ 24 mil referia-se ao pagamento de um débito antigo que Fabrício Queiroz tinha com ele, Jair Bolsonaro.
Segundo Bolsonaro, o montante devido por Fabrício seria ainda maior, na ordem de R$ 40 mil. “Emprestei dinheiro para ele (Queiroz) em outras oportunidades. Nessa última agora, ele estava com um problema financeiro e uma dívida que ele tinha comigo se acumulou. Não foram R$ 24 mil, foram R$ 40 mil. Se o Coaf quiser retroagir um pouquinho mais, vai chegar nos R$ 40 mil”, disse Bolsonaro em dezembro de 2018 ao site O Antagonista.
Como agora se sabe, os valores depositados não foram R$ 24 mil, tampouco R$ 40 mil. Foram identificados R$ 72 mil de Fabrício Queiroz para Michelle Bolsonaro. Por que essa movimentação de dinheiro entre Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar de Flávio, e a mulher de Jair Bolsonaro? E uma vez que foi Jair Bolsonaro quem deu a primeira explicação sobre essas movimentações – seria um antigo débito entre Jair e Fabrício –, cabe agora ao presidente dar um cabal esclarecimento sobre os repasses.
A explicação sobre os depósitos na conta de Michelle Bolsonaro também deve incluir outros depósitos um tanto esquisitos, para dizer o mínimo. Não apenas Fabrício depositou cheques na conta da primeira-dama, como também a mulher do ex-policial militar, Márcia de Oliveira Aguiar, repassou valores à mulher de Jair Bolsonaro. Foram identificados seis depósitos, num valor total de R$ 17 mil, em 2011 de Márcia na conta de Michelle Bolsonaro. A mulher de Fabrício Queiroz também trabalhou no gabinete de Flávio Bolsonaro.
As investigações indicam o ex-policial militar como o operador financeiro do suposto esquema de “rachadinha” instalado no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Quando foi preso em junho, Fabrício estava hospedado em residência de Frederick Wassef, advogado de Jair Bolsonaro. Atualmente, Fabrício e Márcia cumprem prisão domiciliar.
O presidente Jair Bolsonaro deve uma explicação ao País sobre todos esses cheques. Não cabe penumbra em assunto tão sensível – movimentação de dinheiro de assessores parlamentares para familiares dos parlamentares.