Desafios de Bolsonaro não têm paralelo na nossa história
Evitar a insolvência fiscal, elevar a produtividade e lidar com falências de estados são situações que vão requerer liderança e ampla articulação política
Jair Bolsonaro enfrentará, como presidente, os maiores desafios dos últimos tempos, talvez da história republicana. Além de ter de pacificar um país polarizado pela disputa eleitoral, que resvalou para a violência física em vários momentos, inclusive contra ele próprio, o êxito do seu governo dependerá da adoção de difíceis e polêmicas medidas.
Será preciso enfrentar três complexas situações; (1) evitar a insolvência fiscal, decorrente do crescimento ininterrupto, desde 2013, da relação dívida/PIB, que já beira a 80%; (2) elevar a produtividade, que se encontra estagnada, com vistas a ampliar o potencial de crescimento da economia. Só assim ele poderá cumprir promessas de campanha, entre as quais a de gerar milhões de empregos e zerar o déficit público; e (3) estar preparado para uma possível erupção de falências de governos estaduais.
Para vencer o primeiro desafio, será preciso aprovar, ainda em 2019, ampla reforma da Previdência, seguida de outras medidas fiscais. O objetivo será o de restabelecer a flexibilidade na gestão orçamentária (hoje vítima de rigidez sem paralelo no mundo), reverter a situação de déficit primário, estabilizar a relação dívida/PIB e promover o seu declínio em alguns anos. O fracasso nessa área criará a situação de dominância fiscal, em que o receio de calote da dívida e a consequente queda de confiança acarretarão forte desvalorização cambial. O Banco Central perderá a capacidade de assegurar a estabilidade da moeda. A inflação fugirá do controle.
Quanto ao segundo desafio, precisa-se de uma reforma tributária para criar um imposto sobre o valor agregado (IVA), a exemplo do que existe em mais de 150 países, pondo fim ao caos tributário que se tornou a principal fonte de ineficiências da economia. Será preciso ainda ampliar investimentos em infraestrutura, particularmente a de transporte, atraindo capitais privados, nacionais e estrangeiros (a União praticamente perdeu essa capacidade). Uma corajosa abertura da economia deve constituir parte da estratégia.
Por último, o novo governo necessitará de uma estratégia para lidar com a falência de muitos estados (no máximo cinco – SP, ES, AL, CE e RO – podem escapar). A União não poderá omitir-se, pois os estados prestam os três principais serviços à sociedade – segurança, saúde e educação. O colapso poderia implicar rápida perda de popularidade do presidente, já que a sociedade atribui ao governo federal a culpa por suas vicissitudes e não apenas às administrações estaduais. As negociações em torno do assunto – com melhora das regras já aplicadas no caso da falência do Rio de Janeiro – devem contemplar duro ajuste, incluindo a redução do peso da folha de salários e dos gastos previdenciários.
Bolsonaro não poderá recorrer à linguagem belicosa da campanha. Dele se exigirão serenidade, liderança e capacidade de articulação política. Será essencial construir e gerir uma coalizão majoritária para aprovar as medidas, a maioria das quais exigirá difíceis e complexas reformas constitucionais. Ele agora é o chefe do governo federal, coordenador do jogo político e responsável pela tarefa indelegável de conquistar o assentimento da sociedade e do Congresso para as reformas necessárias.